Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
Foram divulgados recentemente os primeiros cancelamentos de eventos musicais devido ao surto de Covid-19, o novo coronavírus proveniente da China. Já foi cancelado o Ultra Music Festival que ia acontecer em Miami nos dias 20, 21 e 22 de Março. O Coachella, um dos maiores Festivais nos USA previsto para os fins de semana de 10 e 17 de Abril também já foi adiado para os fins de semana de 9 e 16 de Outubro. Um dos principais "Clubs" Espanhóis, o Fabrik, perto de Madrid, suspendeu ontem os seus eventos devido à recomendação do Ministério da Saúde Espanhol e da comunidade de Madrid e irá em breve divulgar as novas datas. Madrid é a comunidade autónoma com mais casos confirmados do novo coronavírus, com cerca de 1024 casos confirmados. Vários concertos de artistas conceituados foram cancelados ou adiados, tudo devido a este novo vírus que se tem espalhado um pouco por todo o planeta.

Portugal, de momento ainda tem, felizmente, poucos casos confirmados (59, no momento em que escrevo esta crónica) comparativamente com os países que nos são mais próximos. Espanha neste momento já tem 2124 casos confirmados e 49 mortos e França que tem 1700 casos confirmados e 33 mortos. O que leio sobre a maior parte dos falecidos relativamente ao Covid-19 é que são pessoas de avançada idade, com problemas respiratórios crónicos prévios à infecção pelo vírus o que os torna muito frágeis relativamente a novas infecções, especialmente aquelas que atacam as vias respiratórias. Parece que este novo vírus não é muito eficaz em pessoas mais jovens, sãs, e que os seus sintomas nestes casos passam por ser os mesmos de uma vulgar gripe, muito comum nesta altura do ano. 

Justifica-se então o "pânico" que se está a gerar neste momento em Portugal, relativamente à difusão deste novo coronavírus, quando ainda existem tão poucos casos confirmados, comparativamente a outros países?

Na minha opinião há que redobrar os cuidados a ter quando vamos a locais onde se juntam muitas pessoas e sejam potencialmente focos de contágio, tal como os aeroportos. Como vivo em Espanha, passo por vários todos os fins de semana e nas últimas vezes tenho tido alguns cuidados "extra", como lavar as mãos muito bem e varias vezes, especialmente depois de tocar sítios onde muita gente toca, tentar espirrar só em locais onde não estão pessoas próximas e caso isso não seja possível espirrar para o cotovelo, de maneira a conter as partículas que possam conter o Covid-19. Neste momento estou com (mais uma) uma infecção na garganta que me provoca sintomas compatíveis com uma gripe e no fim de semana passado já tive várias pessoas que me olharam de lado no aeroporto e durante o voo por estar com esses sintomas... 

É um facto que este novo coronavírus é bastante mais contagioso do que uma gripe normal, mas os sintomas em geral são leves. São preocupantes os casos de pessoas sem sintomas aparentes que deram positivo no teste do Covid-19 e que o podem ter transmitido sem sequer saber que estavam infectadas. No entanto, todas as notícias que li e ouvi até hoje referem que o grupo de risco e principal afectado por este novo coronavírus é o grupo de pessoas de media idade/idade avançada, com doenças prévias e que as pessoas jovens só têm praticamente os mesmos sintomas de uma gripe sazonal. Está provado que a mortalidade do Covid-19 é superior à de uma gripe normal, mas tal como já referi, a taxa de mortalidade entre os jovens contagiados é muito reduzida.

Acho que é a primeira vez que uma epidemia é acompanhada "ao minuto" à escala global, o que tem provocado alguma desinformação. As redes sociais também estão a ajudar a espalhar algumas informações incorrectas sobre o Covid-19 e estão a provocar aqui em Espanha a corrida aos supermercados, com medo a que se chegue a uma situação de “fecho total” do país, como está a acontecer neste momento com Itália, apesar dos directores das principais marcas já terem vindo a público dizer que não vai haver falta de produtos nas prateleiras.

Apesar de haver poucos casos em Portugal, o Covid-19 já chegou à música electrónica. Na passada sexta 6 de Março houve um evento no Hard Club no Porto onde actuou um DJ que posteriormente deu positivo ao novo coronavírus e está neste momento internado em isolamento no Hospital Pedro Hispano em Matosinhos. Ele próprio veio tranquilizar as pessoas através de um vídeo em que diz que está tudo bem, que está fisicamente bem e que simplesmente tem sintomas de uma gripe "normal" mas tem que estar isolado para não contagiar outras pessoas. Já havia algumas pessoas alarmadas com a notícia desse positivo, mas o certo é que o Covid-19 só se contagia através de contacto físico directo, ou através de partículas em suspensão vindas da pessoa infectada que normalmente se projectam no espaço de um, dois metros no máximo. Às pessoas que estiveram em contacto directo com esse DJ que atuou na pista 2 do Hard Club, a Direcção Geral de Saude aconselha a ligar para os números 220 411 170 ou 220 411 171.

Espero sinceramente que a situação não se agrave em Portugal e que esta epidemia não atinja os números que já atingiu nos países vizinhos. Há que extremar os cuidados, lavar as mãos frequentemente, se possível desinfectá-las várias vezes ao longo do dia. Segundo os médicos, este tipo de coronavírus é bastante sensível ao calor e quando as temperaturas subirem (o que deve acontecer em breve, com a entrada da Primavera) as partículas contaminantes têm uma vida útil bastante mais curta o que vai reduzir muito o número dos contágios.

Eu acabei de ter o primeiro evento adiado devido ao surto de coronavírus. Vamos esperar que esta "pausa" em que o país vai estar nos próximos dias seja a maneira mais eficaz de conter o vírus e que depois destes adiamentos a “dance scene” e a vida em geral em Portugal volte ao seu ritmo normal. É importante termos muito presente que isso também depende de todos nós. Ao tomar as medidas recomendadas pelos serviços de Saúde, sem entrar em "pânico", estamos a contribuir para que este Covid-19 seja controlado o mais rápido possível!
 

Carlos Manaça

DJ e Produtor

www.facebook.com/djcarlosmanaca

 

(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)

Publicado em Carlos Manaça
sexta, 10 janeiro 2014 21:35

Qual é o teu estilo, DJ?

 
Falemos dos "estilos". Passam os tempos e cada vez se torna mais difícil defini-los, garanto-vos. Pelo menos definir o que é que este ou aquele DJ toca.
 
São raros, raríssimos os que se conseguiram manter fieis às suas ondas originais. Armin Van Buuren no trance, Carl Cox, Richie Hawtin, Adam Beyer, Marco Carola no tecno, Steve Aoki, Afrojack, Chuckie no electro mais acessível, e pronto, à excepção dos incontornáveis de que não falei (e ainda são alguns pelo mundo fora, "graça a Deus!")... por aí... o resto é tudo uma adaptação do que se ouve agora, do que se quer agora, do que faz mexer as pistas, do que as rádios e playlists online veiculam.
 
Acredito que uma das coisas que mais incomoda um DJ, hoje em dia, é por isso, a pergunta: "Então e qual é o teu estilo?" Irrita, porque todos nós temos, obviamente as nossas preferências. Podemos gostar de minimal, progressivo, tecno, puro house... mas obviamente, que se queremos trabalhar nos dias que correm, temos mesmo que nos adaptar e tentar, fazer a melhor "viagem" possível durante as duas ou três horas normais de um set, MISTURANDO, sim, misturando... estilos, sonoridades e fazendo até o que à partida os puristas te ensinam a não fazer... colar a "bota e a perdigota"... uma de house comercial, seguida de uma "electrozada" e a seguir um techouse bem metido.
 
É obra dura de fazer.  E aqui, a diferença de quem o sabe ou não fazer, tem a ver com o bom senso, o bom gosto, a coerência... dentro do que à partida seria incoerente.
 
É mais isso, do que  passar uma horas seguidinhas das batidas certinhas da onda com que nos identificamos. Porque aí, à partida, sabemos que não falhamos (tecnicamente é mais fácil, claro, porque não há o perigo de "picos" e porque estamos fechados e encantados com o que nos enche as medidas como artistas). Mas, a verdade é que... não falhamos para nós, mas para o pessoal que está lá na frente, a não ser que vá já completamente formatado a ouvir o "nosso som" (ui, e é tão bom quando isso acontece), eles querem é diversidade e que a tal viagem os surpreenda, encha as medida, que as músicas lhes sejam familiares na sua maioria. E até os tais "picos" que às vezes não seriam aquilo que para nós faria sentido... é o que se quer.  E a nós... ai ai… e a nós, DJs de casa cheia, resta a magia (que esperamos ser certeira) de conseguir fazê-lo sábia e energeticamente.
 
Falo por mim, que nunca fui adepta do comercial puro e duro e cada vez mais a ele tenho que recorrer. Porque assim as casas o exigem  (ou só tocaria em mini clubes e bares com cachets baixinhos e onde o público seria muito menor em número que nas discotecas e festas mais massificadas por este país fora) e porque mesmo os "grandes", os internacionais, que em tempos produziram sons que nos ficaram no coração e na memória cada vez mais se dedicam a criar tendências comerciais e que os outros seguem pelo mundo fora.
 
"E é assim que é"... o Amor à música eletrónica, como tudo na nossa sociedade, tem que ser readaptado. Pelo menos a forma de o transmitir. E aí volto de novo aos estilos. "Qual é o teu estilo, DJ?"... Acho que a resposta da maioria, se não é, deveria ser: "O que eu toco? Ou o que eu gosto?".
 

Qual é o teu estilo, DJ? Acho que a resposta da maioria, se não é, deveria ser: "O que eu toco? Ou o que eu gosto?"

 
Amigos... o estilo confunde-se com o local, com a carreira, com a imagem que têm de nós, com o party people que temos à frente, com a hora a que tocamos, com o tipo de evento. Eu, por exemplo, toco desde em eventos corporativos às 4 da tarde até ao pico da hora dos "chalalás" todos comerciais que é às 3 da manhã e até de vez em quando faço um ou outro after em que me estico com o tecno e electro menos acessível.
 
Além de tudo isto... é impressionante constatar as "modas" que tão rapidamente entram e saem de cena. Por exemplo, o ano passado o público mais novo, quase que inexplicavelmente (porque não fazia parte da sua cultura musical, foi sim uma moda passageira) exigia quase lado a lado com os temas comerciais do Avicii, Alesso e afins... o dubsetp para embalar uma noite bem bebida. Este ano que passou... foi o Afrobeat. Para todos. Brancos. Pretos. Na cidade. No interior. Mesmo que não tenham qualquer afinidade com a cultura africana... gostam de afrobeat e mais espantoso ainda... de Kizomba e Kuduro.
Pergunto-me o que virá este ano e que... fará esquecer o que ficou para trás e que já foi apagado no iPod, para ganhar mais espaço para músicas novas?...
 
Falemos de "estilos", comecei assim a minha crónica... Ou não. Falemos então da nova filosofia de DJ. Da forma de adaptação à pista. Da vontade que temos que fazer crescer em nós de continuar a pôr o público a dançar. Da arte que considero perfeito de oferecer "uma para nós" e "duas para o público" e da magia que já raramente acontece, mas que não é, obviamente impossível quando a comunhão entre eles e nós - os DJs - acontece e esta máxima passa a ser: "uma para nós", "uma para eles" ou até mesmo "todas para todos".
 
São noites dessas que ficam na nossa história pessoal e independentemente de ondas, estilos ou géneros são noites dessas que mantêm aceso o nosso amor por esta arte.
 
E... que este ano tenha umas quantas dessas. Desejo-o para mim e para vocês. E assim, nos cruzaremos, aí pelas estradas desse país, de clube em clube, com aquele sorriso de satisfação e realização de que tão bem conhecemos o puro feeling, e é cada vez mais raro.
 
Rita Mendes
Publicado em Rita Mendes
terça, 15 junho 2021 22:56

"Tudo Parece Perfeito"

Confesso que me foi extremamente difícil escrever esta crónica. O meu primeiro impulso foi escrever sobre a situação actual dos vários sectores ligados à música, aos eventos, às actuações ao vivo, mas tudo isso já foi comentado (e bem) pelos meus colegas cronistas.

O tema da minha crónica é outro. É sobre uma história de superação e motivação de um colega DJ que muito me (nos) tem ajudado a superar esta nova realidade que estamos a viver desde Março de 2020.

Desde que soube do estado de saúde do Magazino (para mim Costinha, a quem conheço há muitos anos) que temos estado mais em contacto do que aquilo que a nossa rotina anterior, com "gigs", permitia. 
E a verdade é que ele, apesar de todos os problemas de saúde que está a ter, é uma contínua motivação para mim e para muitos outros.

Mesmo passando por tudo aquilo que está a passar, ainda tem força para nos enviar mensagens de motivação no grupo de WhatsApp criado por ele para nos animar, para que nós, DJ’s e músicos que estamos sem trabalhar há 15 meses (!) não baixemos os braços, para que tenhamos paciência. Coisa que muitas vezes é difícil tal a incompetência e incoerência de quem nos governa...

Sua foi também a ideia de fazer o documentário "Tudo Parece Perfeito", com vários DJ’s e produtores Portugueses, de várias gerações, sobre aquelas histórias caricatas, dos bastidores, que aconteceram (e ainda acontecem) na nossa carreira, realizado e produzido pelo realizador Gonçalo Almeida.

No "teaser" que gravámos ouvi muitas histórias que prometem um grande documentário, com muitos episódios curiosos que vão mostrar que, no dia-a-dia de um DJ, muitas vezes o que parece uma vida de sonho, na realidade tem um outro lado que não é tão glamoroso e que é muito exigente.

Certamente que o Magazino tal como DJ Vibe, Rui Vargas, Moullinex, Gusta-vo, Yen SungDiana Oliveira e Violet têm imensas histórias para contar. São muitos anos de carreira, muitas horas de música, muitos "gigs", que certamente originaram muitas histórias que merecem ser conhecidas. Histórias essas que vão mostrar esse outro lado da nossa profissão e de certeza fazer-nos rir.

Eu já comecei a escrever e a compilar alguns dos meus episódios mais caricatos para a gravação final e posso garantir que tenho muitas histórias para contar, desde o início da minha carreira profissional, em 1986. Nestes 35 anos houve muitos e bons episódios que nunca vieram a público e que vou partilhar convosco neste documentário.

Para todas as informações sobre a evolução da produção de "Tudo Parece Perfeito" podes visitar esta página: https://www.indiegogo.com/projects/tudo-parece-perfeito-everything-seems-perfect.

Da minha parte resta-me agradecer ao Costinha a.k.a. Magazino, por toda a força que me (nos) tem transmitido com os seus "posts" nas redes sociais e com as suas mensagens pessoais de incentivo.
Muito obrigado!

É uma força da natureza e eu tenho a certeza que vai ultrapassar todas as batalhas que ainda tem pela frente, como tem ultrapassado as muitas que já teve até agora.

Ele é o verdadeiro campeão.
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
segunda, 06 julho 2020 23:28

Ajuntamentos ou locais controlados?

No início de Março, quando foi publicada a minha ultima crónica para a 100% DJ, tive que escrever duas crónicas porque a primeira que enviei ficou desactualizada em dois dias. Hoje, ao ler a última que escrevi, vejo que a realidade ultrapassou tudo o que eu tinha imaginado (e escrito) nessa altura, quando acabava de ter o meu primeiro evento adiado/cancelado. O que o sector ligado à música está a viver desde essa altura, jamais me passou pela cabeça. Desde essa altura que estamos com todas as nossas actuações canceladas e sem sequer haver um plano/data de uma possível volta ao trabalho de todo um sector.

O facto de não haver sequer um plano para todo um sector que até parou, por uma responsável decisão própria, antes de ser obrigado a isso pelo governo, na minha opinião é uma situação difícil de entender. Ouvir o tom depreciativo com que o primeiro-ministro falou de todo um colectivo foi um choque para mim e certamente para todos os empresários ligados a este sector, nas suas varias vertentes. 

Ouvir o tom depreciativo com que o primeiro-ministro falou de todo um colectivo foi um choque para mim e certamente para todos os empresários ligados a este sector, nas suas varias vertentes.

 
É verdade que este vírus colocou à prova os governos de praticamente todos os países, muitas decisões foram tomadas segundo o que ia acontecendo porque não se conheciam (e ainda não se conhecem bem) todas as características deste novo coronavírus. Numa primeira fase e segundo alguns especialistas, Portugal foi um exemplo internacional porque foi dos primeiros a limitar fortemente a mobilidade das pessoas e com isso limitar muito as possibilidades de contágio. É verdade que, comparativamente com os países vizinhos, Portugal tem um número de falecidos muito menor devido a esse sucesso na primeira fase desta pandemia e que os cuidados intensivos dos hospitais Portugueses (felizmente) nunca estiveram em rotura tal como aconteceu aqui em Espanha, situação que provocou muitos mortos pela incapacidade de serem atendidos nas urgências.

Infelizmente estamos a assistir nos últimos tempos a um aumento dos contágios confirmados em Portugal, situação que seria expectável uma vez que há uma maior mobilidade das pessoas, há mais gente a trabalhar e a deslocar-se em transportes públicos, a ir a centros comerciais, a supermercados. Basicamente há muito mais gente nas ruas que antes. Mas infelizmente também estamos a assistir à irresponsabilidade de algumas pessoas que se juntam sem terem qualquer cuidado, seja usando máscara, seja mantendo a distância de segurança aconselhada. Uma grande parte dessas pessoas são jovens que depois de estarem fechados em casa durante mais de dois meses se juntam com os amigos em grandes grupos sem cumprirem as normas mínimas de segurança, porque na realidade, não têm qualquer opção para o fazer de uma forma mais controlada.

A pergunta que coloco neste artigo é, na minha opinião, lógica: não seria melhor darem a esses jovens alternativas onde se pudessem juntar, de forma minimamente controlada, e assim reduzir esses ajuntamentos onde quase ninguém cumpre as normas de segurança?

Li em muitos comentários nas redes sociais que é "totalmente impossível manter a distância social numa discoteca, num bar, assim como ter os cuidados necessários à não propagação do vírus". Aliás, ouvimos o próprio primeiro-ministro dizer isso em directo, na TV.

Na minha opinião, depende muito das características dos espaços em questão. Obviamente há muitos locais em que é praticamente impossível criar condições mínimas de segurança por serem totalmente fechados, pouco amplos, com acessos interiores difíceis e com pouco espaço para as pessoas estarem mais afastadas e que não têm condições para abrir neste momento. Entendo isso e acho que qualquer empresário responsável que tenha um espaço com estas características, sabe que abrir nestas condições iria quase de certeza criar problemas.

Mas há muitos outros que têm características que lhes permitiria abrir com as mesmas condições já existentes para outro tipo de actividades. No Algarve, por exemplo, há muitos locais ao ar livre que podiam, com restrições de capacidade e com o uso de máscaras e gel desinfectante, abrir as portas. No resto do país também há alguns locais desse tipo, que poderiam abrir com as mesmas condicionantes de segurança.

Obviamente numa primeira fase não se poderia funcionar em horário completo, mas pelo menos esses espaços que têm uma grande parte ou são totalmente ao ar livre deveriam poder abrir. Ou pelo menos, tentar abrir. 

O que acontece é que, por terem o código de actividade de "discotecas" ou "bares", mesmo tendo estas características, não lhes é permitido abrir, numa decisão, na minha opinião, difícil de entender, especialmente quando vemos outro tipo de eventos com grandes ajuntamentos de pessoas, a serem "autorizados" ou pelo menos permitidos pelas autoridades, alguns deles por motivos políticos.
 

Não seria melhor darem a esses jovens alternativas onde se pudessem juntar, de forma minimamente controlada, e assim reduzir esses ajuntamentos onde quase ninguém cumpre as normas de segurança?

 
Pelo que sabemos até agora e do pouco que parece já assumido pela comunidade científica sobre este novo coronavírus, um dos seus principais focos de transmissão (senão o principal) são as aglomerações de muitas pessoas. Sejam elas por que motivo forem. Partidárias, futebol, religião, "botellon", praia, música, todas podem ser um foco de transmissão, todas podem contagiar se não forem tomadas precauções. 
Os ajuntamentos para ouvir música numa esplanada, num bar ao ar livre, numa discoteca ao ar livre, não são mais contagiosos do que os ajuntamentos autorizados numa manifestação política, como nos querem fazer crer.

Acho que seria importante nesta altura estabelecer de uma vez por todas regras claras e realizáveis para, lentamente, com capacidade limitada e com muitos cuidados, se começarem a abrir alguns dos locais com características especificas, regras que já existem para outras actividades. Certamente iria dar aos jovens uma alternativa mais controlada do que os ajuntamentos para os "botellons" que têm feito um pouco por todo o país.

Os empresários destes locais deram uma lição de responsabilidade a muita gente no inicio de todo esta pandemia quando decidiram fechar, mesmo antes de serem obrigados a isso. Pensaram na saúde de todos à custa da sua própria fonte de rendimento. Acho que mereciam um outro tratamento pelas autoridades responsáveis...
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
Portugal está cada vez mais na rota dos grandes DJs. Ao longo dos últimos anos demos um passo de gigante ao nível da produção de eventos assim como na vinda dos melhores nomes do mundo ao nosso país.
 
Não é de agora esta enorme paixão que Portugal demonstra pela musica eletrónica, muitos dos que lerem esta crónica provavelmente nunca terão ouvido falar de um “Neptunus Festival” entre muitos outros grande eventos que decorreram neste nosso cantinho à cerca de 25, 30 anos atrás. Sempre tivemos uma grande cultura e dance scene, desvanecida um pouco nos últimos anos com certas “modas musicais” ou influências culturais.
 
Com a chegada dos eventos de verão, muitas das ditas “modas” ficam esquecidas e as pessoas que num clube não conseguem ouvir a chamada “música de discoteca”, sim este termo já existiu, acabam por ir a sunsets, festivais, etc., para ver e ouvir DJs. Será que durante o inverno não se ouve música eletrónica em Portugal? É pena pois temos grandes DJs e principalmente grandes produtores, que acabam por não se poder expandir derivado ao estado do mercado, ou melhor, da música que se ouve em muitos dos locais neste momento no nosso país.
 
Tivemos e continuamos a ter nos últimos anos DJs/Produtores portugueses presentes no Top 100 da DJ Mag, goste-se não goste do modelo, seja verdadeiro ou não, ele está lá e acaba por ter um grande peso no mercado em algumas zonas do globo. Para mim como português é um orgulho ver colegas meus de profissão conseguirem colocar o nome de Portugal tanto lá em cima, Diego Miranda, Kura, Pete Tha Zouk e DJ Vibe estiveram e estão no topo dos DJs do mundo, o que é absolutamente fantástico.
 
Os grande festivais estão aí, tanto num movimento mais underground como mainstream, é altura de evasão total com o Algarve como ponto máximo dos grandes eventos e projetos de verão.
 

Para mim como português é um orgulho ver colegas meus de profissão conseguirem colocar o nome de Portugal tanto lá em cima.

 
Vejamos agora com atenção a agenda destes espaços, mais concretamente os “Summer Clubs” onde na maior parte das vezes os proprietários são os mesmos de muitos dos clubes que marcam a cena noturna nacional durante a temporada de inverno.
 
Se existe espaço para todos os gostos com agendas multifacetadas, com vários estilos musicais, (e ainda bem que é assim) porque não aplicarem a mesma estratégia no inverno nos clubes que gerem ou são proprietários. Acho que seria fantástico para a explosão total de novos artistas e conceitos nacionais. Aplaudo novas tendências, sejam elas numa componente eletrónica ou não, mas sair à noite desde terça-feira até ao domingo a ouvir o mesmo em muitos locais, não me parece que seja vantajoso para o desenvolvimento da indústria musical em Portugal. Se nos últimos anos tivemos um boom em produção nacional, porque motivo, tirando raríssimas excepções, muitos dos grandes produtores portugueses não conseguiram vingar lá fora? Talvez pela necessidade de trabalhar “para dentro de casa” e viver ou sobreviver, pois se não for dessa forma torna-se impossível fazer uma carreira sólida em Portugal, enquanto que os outros que não se preocuparam tanto com o mercado nacional, trabalharam para o mundo e foram conquistando o seu espaço além fronteiras
 
Nos últimos três anos tenho viajado um pouco por todo o mundo, Brasil, Dubai, Qatar, Tailândia, República Checa, Suécia, Marrocos, Espanha, entre muitos outros, tive oportunidade de tocar em alguns dos melhores clubes do mundo como o Green Valley no Brasil, Duplex em Praga ou Catch na Tailândia e por mais que viaje e toque pelo mundo é sempre melhor estar com os nossos, e sei que temos condições para ser cada vez mais uma referência no que diz respeito a “night scene” mundial, basta apenas uma mudança de estratégia e colocar em prática as mesmas ideias aplicadas durante o verão em Portugal, onde se ouve de tudo, segmentado e nos mesmos espaços. Se o caminho for bem feito, teremos grandes produtores e DJs portugueses a dar cada vez mais cartas fora do nosso país.
 
Agradeço mais uma vez ao Portal 100% DJ o convite para escrever esta crónica, é e será um prazer enorme colaborar e trabalhar em conjunto para um melhor desenvolvimento da música em Portugal.
 
Eddie Ferrer
Publicado em Eddie Ferrer
A amplitude comunicacional dos festivais de música em Portugal é cada vez mais ampla e por isso são hoje mais recorrentes os que têm no seu cerne ou numa das suas ações a vertente solidária.
 
Deixo abaixo três desses exemplos sendo que apenas tive em conta aqueles que mantêm uma lógica recorrente e estratégica nesta área pois muitos festivais evocaram razões solidárias esporádicas (nomeadamente nos anos de Troika em Portugal) mas ou não existem hoje ou o seu conceito não conseguiu obter um fundamento válido junto do seu público.
 
Rock With Benefits
Existe desde 2011, com uma edição especial no final de cada ano civil e várias sessões espartilhadas ao longo do ano em que recebem artistas pop/rock portugueses. É na cidade de Fafe que está um dos primeiros eventos culturais a ter a causa solidária como um fator de motivação para a realização e dádiva musical como moeda de troca com o seu público. Os fundos revertem para o apoio a famílias carenciadas sinalizadas do Município em que ocorre - o público pode pagar parte do seu bilhete em produtos alimentares;
 
Party Sleep Repeat
É um dos "novos festivais" que melhor tem conseguido posicionar-se e afirmar-se no panorama nacional com um público fiel e que reconhece o critério e qualidade musical (as bandas alternativas portugueses) que coloca a cada edição e respeita o que levou a concretizar este evento. Nasceu, em 2013, como um tributo a Luís Lima, um jovem sanjoanense que tinha um grande interesse pela música e consciência social. Esta homenagem, levou a uma enorme adesão familiar e municipal que levou à concretização de uma associação com o seu nome e à fortificação deste conceito como um festival. Através da sua receita de bilheteira são elaborados donativos para famílias carenciadas (programa "Apadrinhe esta ideia") e a várias instituições nacionais a cada edição;
 
Edp Cooljazz
O leilão de uma guitarra é já algo que acompanha as mais recentes edições do festival. A cada ano, um dos principais artistas internacionais do cartaz assina este objeto dando ênfase ao projeto "Guitarra Solidária". Para 2018, o britânico Van Morrison é o artista envolvido e o valor inicial de licitação está cifrado em 600€ - todo o valor angariado do mesmo reverte para a CERCICA (Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Cascais), localizada na cidade que passa a acolher os concertos do festival.

 

Ricardo Bramão
Presidente e Fundador APORFEST, Associação Portuguesa de Festivais de Música.
 
Publicado em Ricardo Bramão
domingo, 19 abril 2020 15:00

O impacto da pandemia na música

A pandemia devido ao novo COVID-19 chegou e é bem real. Já todos sentimos o grande impacto de todas as medidas que tiveram (e continuam a ter) de ser adoptadas pelo governo e Direção Geral de Saúde.

Assim sendo e inevitavelmente a minha crónica vai ser à volta deste tema, em particular da música electrónica, que como todos sabem, é a minha área.

Tendo em conta o grande risco de contágio, artistas como eu que vivem da música, assim como da cultura no geral, fomos dos primeiros a sentir todas estas drásticas acções que foram implementadas, tendo inicialmente numa grande maioria e de livre e espontânea vontade terem sido encerrados teatros, cinemas, museus, exposições, concertos, festivais, clubs, etc. Foi de uma enorme consciência e com imenso sacrifício que vimos isto a acontecer, antes do confinamento obrigatório. Lamentavelmente mas para o bem mútuo continuamos na mesma situação. 

O que não está bem a meu ver, são as medidas de apoio que não estamos a receber ou a ser implementadas. Dou como exemplo a tentativa do nosso Ministério da Cultura em apoiar certas entidades, numa fase em que ainda não atingimos o pico e a luz ao fundo do túnel ainda se encontra um pouco longe. Lançar um evento como o "Tv Fest" onde seriam apoiadas (e muito bem), mas apenas algumas entidades (aqui está um dos erros a meu ver).

Este projeto, criado pelo Governo no quadro de apoio, no âmbito da crise causada pela pandemia COVID-19, e destinado "exclusivamente" ao setor da música, tinha estreia marcada para quinta-feira 9 de Abril, no canal 444, nos quatro operadores de televisão por subscrição em Portugal e na RTP Play. 

De acordo com a ministra, seriam abrangidos "160 músicos", "de todos os estilos musicais", a quem era pedido que "envolvessem sempre equipas técnicas", o que significaria o envolvimento de "cerca de 700 técnicos", ao longo dos vários programas. Depois de anunciada, a iniciativa foi criticada por vários músicos, sendo lançada uma petição online - em menos de 24 horas, mais de 16 mil pessoas subscreveram essa petição. O Festival foi desta forma suspenso, mas não cancelado, de forma a supostamente ser repensado.

Estamos, sem dúvida, a passar uma fase que nunca pensaríamos e enquanto refletimos nisso as coisas no geral vão ficando piores. As medidas de apoio têm que ser implementadas e surgir com uma visão mais abrangente e global, onde o benefício deverá ser repartido igualmente ou então beneficiar os que passam mais dificuldades, como é o caso de entidades mais pequenas ou mesmo locais, uma análise do lucro individual "versus" os gastos, seriam uma boa equação para chegar a um resultado mais satisfatório e justo, porque a realidade é que estamos todos no mesmo barco, e não apenas a secção mais "mainstream", que foi a "fórmula" desenhada para direcionar esta iniciativa. 

Por outro lado, numa outra instância, acho que o que deveria ser realmente feito era canalizar esses fundos para o nosso SNS e a luta da frente contra o vírus. 

No meu caso em particular, estou, como todos sabem, com os eventos suspensos, algo que foi também comunicado muito antes de ser obrigada a faze-lo, tanto eu como a minha agência achámos por bem antecipar tudo isto que viria a acontecer, por nós e por todos. Vou acompanhado positivamente o desenrolar da situação e mantendo todos os cuidados necessários e sugeridos pela DGS. 

Como artista que sou, a minha função é divulgar a música electrónica em paralelo com divertir as pessoas, e agora mais que nunca isso é necessário, algo que também estou a fazer, através de livestreams, publicações e outras ações em que decidi participar.

Para ocupar o meu tempo, tenho estado no estúdio onde ouço diariamente bastante música nova, estou a preparar novos releases meus e da minha editora Digital Waves, assim como a gravar o meu Radioshow semanal na Nova Era e mensal na Nove3Cinco. Tenho feito também exercício por casa e mantido uma alimentação relativamente saudável.

Nesta fase é muito importante manter o positivismo, e, claro, dentro dos possíveis ficar em casa ou da forma mais segura possível, manter a actividade física e fazer o máximo por assegurar o bom funcionamento do sistema imunitário.

Tudo vai passar, tudo vai ficar bem, mas agora temos que pensar em nós e naqueles que diariamente arriscam as suas vidas para combater esta pandemia que nos apanhou de surpresa. Agora, não vamos deitar tudo a perder e recomeçar o confinamento de novo... está nas nossas mãos. 

Quero aproveitar para deixar um sentido agradecimento aos nossos "heróis" que têm sido incansáveis: médicos, enfermeiros, transportadores, staff dos supermercados, farmacêuticos, trabalhadores de companhias aéreas, motoristas de transportes públicos, etc. 

Fiquem seguros, olhem pela vossa saúde e pela dos outros, vamos voltar a dançar até de manhã com sorriso de orelha a orelha, mas agora temos que lutar, todos juntos!

Esta crónica foi redigida a 13 de Abril 2020, pelo que atendendo à conjuntura atual, pode ficar desatualizada num curto período de tempo.
 
Publicado em Miss Sheila
quarta, 05 abril 2017 19:07

DJing no feminino

Sendo esta a minha primeira crónica para a 100% DJ, não podia deixar de abordar o tema que mais me é questionado e, na realidade, sei que muitos querem ver a minha opinião exposta de uma forma mais coerente e concreta:
ser DJ no feminino.
 
É certo que as mulheres no mundo do djing são uma minoria se formos a comparar com o género masculino. É um facto e os números falam por si comprovando isso mesmo. Mas o porquê desta realidade? Na minha opinião e sendo eu uma DJ “feminina” passo a expor o meu ponto de vista e experiência.
 
Para uma mulher, pode eventualmente ser mais fácil ganhar notoriedade, na maioria das vezes devido à aparência, mas assim também como por outros motivos, o grande problema surge quando se pretende manter uma carreira sólida e duradoura com respeito no mercado.
 
Sempre achei que neste campo uma mulher tem que trabalhar o dobro para alcançar metade do reconhecimento de um artista masculino. Posso dizer que senti isso no início da minha carreira e ainda hoje sinto. Contudo, sinto-me também otimista com a progressão deste assunto e acho que as coisas estão a mudar de uma forma mais positiva. 
 
O número feminino a fazer parte dos ‘headlines’ de grandes eventos aumenta a cada dia que passa, coisa que não se via com tanta frequência na altura que comecei, há praticamente 18 anos. Nessa altura desde o meu primeiro gig notei que de facto tinha algo a meu favor mas também tinha muito trabalho pela frente para mostrar precisamente que tinha vindo para ficar, assim como essencialmente levava a música a sério e essa era a minha verdadeira paixão e razão de estar atrás de uma cabine.
 
Quem me conhece sabe que não era nem sou muito de ligar demasiado às aparências. Umas sapatilhas, calças de ganga, uma t-shirt, as minhas malas e estou pronta para a fazer a festa! Contudo, assim como no masculino tem que haver uma atenção extra quando subimos a um palco, obviamente.
 
O meu trajeto começou por trabalhar numa loja de discos (Bimotor), onde todo o contacto que tive com a música que chegava diariamente ajudou a refinar a qualidade das minhas atuações assim como a criar um grande background de conhecimento na cultura eletrónica.
 
Durante os primeiros anos percorri Portugal de norte a sul, altura em que apenas tocava vinyl. Tive o privilégio de conhecer pessoas fantásticas que acreditaram no meu talento, apostaram em mim e contribuíram para o sucesso que posso dignamente afirmar que tenho. Gravei várias compilações, percorri imensas cidades pelo mundo inteiro onde obtive força e inspiração para tudo o que fui construíndo posteriormente até aos dias de hoje, onde orgulhosamente vejo alguns dos meus ‘sonhos’ se realizarem como é o caso de ter a minha própria editora, Digital Waves.
 
Contudo, tenho consciência que é um compromisso árduo e longo mas que vai no caminho certo e nos dias de hoje passa essencialmente pela continuação do trabalho de estúdio que tenho vindo a desenvolver.
 
Resumidamente, no meu caso em concreto e por isso falo da minha experiência e percurso, posso-me honrar de ter colegas de profissão que dizem: “a Sheila joga no campeonato dos homens.”. Aqui sem dúvida que ainda presenciamos uma diferenciação que todos sabemos que existe, e não podemos negar, mas assim sendo e até esta questão ser extinta, pois defendo que a música não tem sexo, só posso admitir que me sinto satisfeita e orgulhosa pelo facto de reconhecerem e respeitarem o meu trabalho
 
Miss Sheila
DJ
www.facebook.com/djmisssheilapt
Publicado em Miss Sheila
domingo, 02 dezembro 2012 21:59

Back in the club, the story

Este mês resolvi dar a conhecer todo o processo que atravessei para criar, desenvolver e acabar o nosso novo tema "Back In The Club". A faixa foi apresentada pela primeira vez, ao vivo, na 'MEGA HITS Kings Fest' no Campo Pequeno em Lisboa, a 27 de Outubro. A ideia de fazer um tema com o Dani (Daniel Fontoura) começou após o ter visto a cantar num karaoke, no Cruzeiro MEGA HITS que participámos em maio de 2011 - fiquei impressionado com a voz dele e gostei muito de o ouvir cantar. Nesse momento, o meu primeiro pensamento foi: "Vou ter que fazer uma música com ele". Começámos a conversar sobre essa possibilidade e de como poderíamos avançar para a música e mal cheguei ao estúdio, a primeira coisa que fiz foi selecionar todos os esboços que tinha guardados no disco do meu iMac, até que cheguei àquele que usei para o "Back In The Club".
 
Lembro-me que esse tema começou pelo verso, uma melodia simples e ao mesmo tempo alegre, que estivesse de alguma forma relacionada com o nosso estado de espírito, com aquilo que os FY2 – The Party Rockers apresentam no seu estilo de set, mas acima de tudo, algo que nos divertisse e que nos desse prazer construir. Desenvolvi um pouco a ideia, sequenciei a música de forma a ser algo "apresentável" para o Dani poder opinar e ter uma base sólida para começar a construir a melodia vocal e a letra. Claro que ao longo de todo o processo criativo, várias mudanças foram acontecendo: desde mudar toda a estrutura rítmica (pelo menos duas vezes), trocar vários elementos, acrescentar e retirar beats - mas tudo isto faz parte do processo criativo e da busca pela "batida perfeita".
A meio do tema, percebi que a ajuda de um compositor seria bem-vinda e que iria tornar a faixa mais interessante melodicamente. Foi aí que conheci o Miguel Amorim. Um jovem músico, compositor e produtor que me fez ver certas coisas de forma diferente e com quem, para além da relação de amizade, mantive uma relação de trabalho constante em diferentes áreas dentro da música! O Miguel veio desempatar algumas coisas e resolver certas "equações" musicais que serviram como a "cereja no topo do bolo" - e verdade seja dita, a união faz a força e quantas mais boas pessoas tivermos ao nosso lado para nos ajudar, apoiar e aconselhar, melhor!
 

(...) Mas o que interessa é que façam algo e que trabalhem, não deixem as ideias de músicas gravadas no telemóvel ou mesmo na cabeça - exteriorizem e materializem!

 
Depois do Dani concluir a letra e a melodia vocal, gravámos alguns takes "experimentais" daquilo que poderia ser a voz no tema e fomos reconstruindo a música de forma a se adequar que nem uma luva à voz. Uma vez o instrumental finalizado, fomos para estúdio gravar a voz. Depois, basicamente, foi substituir os takes gravados no meu "home studio" pelos novos que gravámos e a música estava pronta para enviar para o Engenheiro de Som que iria misturar e masterizar o tema.
 
Por intermédio do Miguel Amorim, conheci o José Diogo Neves, um músico, produtor e Engenheiro de Som fantástico, com uma capacidade de aprendizagem fora de série (e uma paciência de aço para ouvir todos os meus devaneios) e que acabou por misturar e "masterizar" o tema – e que, a par com o Miguel, se tornou meu amigo e hoje em dia, basicamente, fazemos os três parte de uma equipa e temos a nossa "cena" juntos onde estamos em constante ligação e a trabalhar em conjunto! Após alguns ajustes e experimentações ao vivo, chegámos ao resultado final - que podem ouvir em algumas das principais rádios nacionais!
 
Eu sei que toda a gente tem a sua forma de criar e começar uma música - seja pela linha de baixo, pela parte rítmica ou pelo refrão - whatever - mas o que interessa é que façam algo e que trabalhem, não deixem as ideias de músicas gravadas no telemóvel ou mesmo na cabeça - exteriorizem e materializem! E acima de tudo, nunca desistam dos vossos sonhos!
 
 
Daniel Poças
FY2 - The Party Rockers
Publicado em Daniel Poças
sexta, 08 novembro 2019 18:27

O Tio estava lá

Lembro-me perfeitamente da 1a vez que entrei no Kremlin, devia ter praí uns 15 anos ou seja foi há cerca de 30, e só lá entrei porque o meu Pai conhecia o responsável pela contabilidade do espaço, informação que quando chegou ao meu conhecimento me fez iniciar uma pressão gigante sobre o meu progenitor até conseguir que ele ligasse para o seu amigo de modo a meter-me lá dentro.

Eu já tinha ouvido falar do Kremlin, os relatos das suas noites estavam espalhados nas páginas de alguns jornais que me entravam em casa nessa altura, como o Independente e o Expresso, mais uma vez pelas mãos do meu Pai, portanto a minha curiosidade era muita. Não era a primeira vez que eu entrava numa discoteca, eu pertenço a uma geração nascida nos anos 70 que cresceu num ambiente onde era normal levar os filhos à "boite", lembro-me de ser bastante novo e dançar em discotecas, bares e festas particulares onde pais e filhos partilhavam a pista de dança, mas o Kremlin era um espaço diferente desses, sobretudo pela música que passava.

Foi ali que ouvi pela primeira vez House e Techno, estilos carinhosamente apelidado de "Música às bolinhas" mas que incendiavam a pista de dança de uma maneira que o Rock não fazia, com mais êxtase e sensualidade, mal sabia eu que ali nas Escadinhas da Praia estava a assistir ao início de uma revolução na noite em Portugal, pouco tempo depois abriu o Alcântara-Mar, onde eu também só entrava devido aos conhecimentos do meu Pai e aí então a coisa explodiu, os relatos das festas que ali se passavam espalhavam-se não só pela cidade e arredores mas por todo o país e de um momento para o outro, ali no inicio dos anos 90, uma geração de DJs e produtores de eventos tratou de implantar uma cultura que já há alguns anos se tinha implantado na Europa e Estados Unidos.

Nomes como Tó Pereira, Luís Leite, XL Garcia, Jiggy, Tó Ricciardi, Mário Roque, António Cunha, Beto Perino, Chumbinho, entre tantos outros foram a vanguarda que levou os novos sons e conceitos de festa aos 4 cantos do país fosse em discotecas ou raves, fosse em armazéns ou em Castelos, a primeira vaga da música de dança em Portugal foi gigantesca e quem a viveu guarda-a na memória como algo excitante, mágico e de certa forma irrepetível. 

Hoje em dia a cultura da música de dança é muitas vezes o Mainstream, e nada de mal há nisso, cada vez mais são os artistas de música de dança que têm o maior destaque em festivais, festas e até arraiais. A paisagem sonora mudou muito e eu fui um dos privilegiados que assistiram à génese dessa mudança, graças ao meu Pai que muitas portas ao longo da vida abriu para mim. Hoje em dia, e por um acaso do destino, sou eu por vezes a atração em alguns destes espaços onde se dança em Portugal, também isso agradeço ao meu Pai que, tal como eu, adorava dançar e esse gene que me passou é sem dúvida uma das coisas mais importantes para o meu bem-estar nos dias que correm. Obrigado Pai, onde quer que estejas, o Sal Grosso que vou espalhando também é teu.
 
Jel
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