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Quem vai ao Bairro Alto não quer dormir cedo

Publicado em domingo, 19 outubro 2008 19:11 | Escrito por
Frequentadores e empresários contra o horário reduzido dos bares em Lisboa.

Os que escolhem a zona histórica só querem ir para casa no dia seguinte.

O Bairro Alto, em Lisboa, tem tantas funções como um canivete suíço.

Serve para festejar os 22 anos de Diogo, rever os amigos que Ricardo encontrou por acaso no bar Maria Caxuxa, marcar o encontro entre António e Inês à porta do Inoxbar ou até esquecer traições de amor.

Miguel tem 23 anos e foi a primeira vez que levou uma "tampa" através de uma mensagem de telemóvel. O que vale é que o miúdo não ficou no quarto a chorar: "Vim ao bairro para beber até esquecer", desabafa entre risos o jovem do Lumiar.

Os motivos para escolher o Bairro Alto podem ser os mais variados, mas o objectivo é quase sempre o mesmo. "Ficar até ao fim", assegura Ricardo Maia.

Regressar a casa só acontece por volta das 04.00 ou 05.00 da manhã, quando os donos dos bares empurram os clientes para a rua e fecham as portas. O hábito dos frequentadores do bairro está prestes a mudar com os horários que a Câmara de Lisboa quer impor a partir de 1 de Novembro. Durante os dias de semana, a festa vai ter hora certa para acabar - 02.00 da manhã.

As regras ainda não foram sequer aplicadas, mas já serviram para demarcar as rivalidades no Bairro Alto - de um lado estão os moradores, que querem acabar com o ruído durante a madrugada; do outro, os noctívagos e os comerciantes, que temem o fim de um dos mais populares locais de diversão nocturna da capital.

O Bairro Alto não é um local de passagem. "Na maioria das vezes, é a primeira e a última etapa da noite", diz António Magalhães, que pelo menos uma vez por semana sai de Oeiras para se divertir no Bairro Alto. Fica-se o tempo suficiente para saltitar de bar em bar até se cruzar com caras conhecidas: "Este é dos poucos sítios em que não é preciso marcar encontro para se encontrar com os amigos."

Poder escolher entre ficar dentro ou fora de portas é o grande trunfo da zona histórica da capital, diz Inês Miguel. Entrar e sair dos bares e conversar nas ruas é uma liberdade que se conquistou a partir dos anos 90 e de que ninguém quer abdicar.

O privilégio de uns é o suplício de outros. Enquanto houver "miúdos a gritar e a atirar garrafas contra as paredes", Edmundo Fernandes não prega o olho. Todas as noites tranca as portas, fecha as janelas e corre os estores da sua habitação na Travessa da Queimada. De pouco vale, pois a festa continua lá fora: "A barulheira é tanta que nem consigo ouvir a televisão", lamenta o pensionista de 68 anos.

Não são as novas leis que irão devolver o sossego dos moradores, avisam os comerciantes. "A câmara está a ir pelo caminho mais fácil e assim só vai colocar em risco o trabalho de muita gente", adverte Paulo Cassiano, proprietário do restaurante Bota Alta. O ataque deveria dirigir-se aos que nunca cumpriram as regras, defende o empresário. Aos que abriram "bares minúsculos e sem licença" e que obrigam os clientes a estar na rua e aos que vendem na "clandestinidade" garrafas de cerveja às entradas dos prédios.

Até ordem contrária, as regras são para cumprir. Podia ser pior, conclui Miguel Cascais. Bastava a namorada adiar a ruptura por mais duas semanas. "Às 02.00 da manhã em vez de estar aqui, estava em casa a curtir a dor de corno."

Fonte: N Online/Kátia Catulo.

 
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