Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
Há poucos anos, era comum vermos discotecas a apostar em diferentes estilos musicais. Mesmo dentro da música dita ‘mais comercial’, as discotecas, sobretudo as das grandes cidades, dirigiam-se muitas vezes a públicos diferenciados, explorando nichos de mercado e subculturas que partilhavam os mesmos valores e gostos musicais. As discotecas desempenhavam um importante papel na promoção desses valores, sendo a música a sua principal ferramenta.
 
O aparecimento da cena house em Portugal, no início dos anos 90, foi um exemplo de uma grande subcultura que partiu dos DJ’s, primeiro, e das discotecas, depois, e que surgiu como um fenómeno de contracultura, respondendo à necessidade de quebrar com os unanimismos culturais estabelecidos.
 
Hoje, essa realidade alterou-se profundamente. As discotecas já pouco se diferenciam entre si: todas tocam as mesmas músicas, tendo os hits e a música de cariz popular tomado conta da maioria das casas do país. Arrisco a dizer que nunca como hoje os padrões de exigência estiveram tão baixos. Alguém imaginaria, há 10 anos, uma discoteca reputada de uma grande cidade a tocar o Emanuel? Salvo raras exceções, como o Carnaval, isso apenas seria possível em discotecas de província que, apesar de serem importantes, não ditavam tendências. Faziam parte de um Portugal profundo que nós, gente da cidade, insistíamos em subvalorizar. Por mais comercial que a música fosse, havia uma fronteira que as casas de referência raramente ultrapassavam.
 

"Os atuais empresários e gestores de discotecas parecem não perceber que, ao tentarem dirigir-se às massas, estão a adotar um modelo de negócio esgotado."

 
Hoje, a mesma receita é aplicada a todos os públicos, como se as pessoas fossem todas iguais e partilhassem todas dos mesmos gostos. Os atuais empresários e gestores de discotecas parecem não perceber que, ao tentarem dirigir-se às massas, estão a adotar um modelo de negócio esgotado. A tendência dos negócios, das marcas, do marketing e da comunicação é precisamente a oposta: "Como vivemos numa época de proliferação de culturas, as marcas têm de fazer escolhas. Não lhes é possível agradar simultaneamente a todas as pessoas, muitas vezes nem sequer a uma clara maioria delas"[1] . Não é por acaso que as marcas que têm feito maior sucesso nos últimos anos têm sido aquelas que souberam dirigir-se a nichos de mercado: Red Bull, Smart, Diesel, Apple ou Frize são apenas alguns exemplos.
 
No excelente livro 'A Cauda Longa', Chris Anderson explica porque é que o futuro dos negócios é vender menos de mais produtos, e traça o perfil desta nova economia da cultura e do comércio: os mercados fragmentam-se em inúmeros nichos, que se multiplicam à medida que os custos de produção e distribuição diminuem; por outro lado, os produtos de massas têm tendência a perder fulgor porque vendem cada vez em menores quantidades.
 
Um dos exemplos desta nova realidade é o comércio da música. A venda online de música alternativa – chamo-lhe 'alternativa' para a diferenciar dos hits – já representa uma quota superior à dos próprios hits. A título de exemplo, basta o iTunes vender apenas uma vez todas as músicas do seu stock, para isso representar mais de 20 milhões de músicas vendidas. Ou seja, a música alternativa toda junta tem já um valor económico superior ao dos hits.
[1] João Pinto e Castro, “Marketing Ombro a Ombro”, p. 41.
 
A diminuição dos custos de produção proporcionou a proliferação de diferentes estilos musicais, de inúmeros nichos e subculturas, e uma liberdade criativa sem paralelo na história da indústria discográfica: as editoras têm agora menos poder; os produtores deixaram de estar sujeitos aos caprichos dos A&R, ou quaisquer outros intermediários, e são cada vez mais independentes.
 
Com as lojas online, os custos da distribuição baixaram consideravelmente, resultando num preço de venda ao público bastante reduzido. Sendo a capacidade de armazenamento destas novas plataformas praticamente ilimitada, os seus stocks são gigantescos e permanentes. Resultado: nunca houve tanta música, tão diversificada, acessível e barata como hoje.
 
Mas se a música atual é tão variada, por que razão as discotecas andam todas a tocar o mesmo? É paradoxal que, numa indústria cultural cada vez mais tribalizada, as discotecas portuguesas apostem, como nunca, num modelo de negócio baseado em música para as massas, na música que mais vende no grande mercado – os chamados ‘hits’.
 
 
Apesar de reconhecer que é apenas um lado da realidade, vou arriscar três eventuais razões para este fenómeno.
 
Em primeiro lugar, porque "quando não se sabe para onde se quer ir, qualquer caminho serve para lá chegar". As discotecas são, salvo raras exceções, um modelo de negócio em que o amadorismo e o improviso imperam. Num negócio tão saturado como é o das discotecas, ainda continuam a abrir-se casas noturnas apenas porque sim: não se definem estratégias, não se traçam objetivos; tudo é deixado ao acaso. As discotecas não são geridas como empresas ou como marcas que precisam de ser valorizadas. Uma análise SWOT é ainda, para muitos empresários, um conceito exótico. E ao fim de tantos anos a trabalhar em discotecas, continuo a questionar-me como é que é possível haver tantos empresários com tão pouca sensibilidade para entender a música e as novas indústrias culturais, elementos basilares deste negócio.
 
Em segundo lugar, porque está enraizada a noção de que só a música popular – ou popularucha – é que tem público. É uma ideia muito repetida. Mas será verdadeira? Basta olharmos para os cartazes dos festivais de verão para percebermos que o grande público pode coexistir com as tribos. A programação de grande parte destes festivais assenta precisamente no equilíbrio entre as massas e os nichos de mercado. O Lux Frágil tem seguido uma estratégia idêntica. Mesmo aceitando a ideia de que só a música popular é que tem público, todos sabemos que a música, por si só, não enche uma casa. Quantas discotecas dirigidas para massas estão neste momento vazias ou afundadas em dívidas? Mesmo que não seja de forma consciente, todos temos a noção de que há outras variáveis em jogo.
 
Por fim, porque o recurso à música comercial parece, à primeira vista, o caminho mais fácil. A meu ver, é mais um grande equívoco. Nem toda a gente tem perfil ou está habilitada a trabalhar para as massas. O raciocínio dos empresários que olham para a música comercial como a grande panaceia é mais ou menos deste tipo: "A discoteca X toca música comercial. Está cheia. Logo, a minha discoteca, para estar cheia, tem de tocar música comercial". Esta argumentação é frágil porque a realidade é mais complexa. Há muitos outros elementos a ter em conta.
 

"Mesmo aceitando a ideia de que só a música popular é que tem público, todos sabemos que a música, por si só, não enche uma casa. Quantas discotecas dirigidas para massas estão neste momento vazias ou afundadas em dívidas?"

 
Não escondo que, numa sociedade cada vez mais fragmentada culturalmente, a música popular funciona como um poderoso agregador social. E esta é, quanto a mim, a chave para percebermos o fenómeno que estamos a viver. Mas o que me incomoda não é a música popular em si mesma. Eu também gosto de música comercial. O problema é que há cada vez menos espaço para a diferença. A repetição das mesmas fórmulas e a constante diminuição dos padrões de exigência, por falta de visão e criatividade, estão a transformar as discotecas em bailes de sede. E isso devia, por si só, fazer-nos refletir a todos.
 
Alex Santos
Publicado em Alex Santos
quarta, 28 maio 2014 18:55

O futuro da EDM

Corro o risco de esta crónica entrar na história da 100% DJ como a menos popular, ainda assim acho que tem que ser feita. Odeio quando as pastilhas elásticas perdem o sabor e é neste ponto que a EDM está neste momento. Foi-nos apresentada com uma embalagem muito cativante cheia de cor e quando demos a primeira trinca era fenomenal: uma autêntica explosão de sabor. Mas foi perdendo o sabor à medida que a fomos mastigando incessantemente.
 
Exagerou-se em tudo. Na quantidade de músicas, de "novos produtores", de versões 2.0, 3.0, 50.0 de hits. Perdeu-se a alma e a essência. De todo o oceano de faixas lançadas nestes últimos anos, contam-se pelos dedos as que ficarão para a história da música electrónica dentro de uns anos. É o que acontece quando as pastilhas elásticas deixam de ter sabor, deitamos fora e nem nos lembramos mais delas. Simplesmente comemos outra quando nos apetecer. O sabor é o mesmo, o que importa é a novidade.
 

Tudo foi feito para não deixar morrer a EDM.

 
Por outro lado, neste processo, pecou-se em muito pouca coisa. Não sou dos que acha que houve falta de criatividade. Criatividade foi o que não faltou na EDM. Reinventou-se o Dubstep, reinventou-se o Minimal, reinventou-se o Tribal, o Hip Hop, e até - pasmem-se - o Reggaeton. Tudo foi feito para não deixar morrer a EDM.
 
E a EDM não morreu. Não sou dos que acha que "isto está tudo a mudar" só porque um dia acordámos com mais faixas de deep/tech no top 10 do Beatport do que de EDM. Isso é fácil de explicar. Houve muitos bons lançamentos de Deep/Tech e não tão bons lançamentos de EDM, nesta semana. É só isto.
 
A EDM tem uma característica que nunca outro estilo musical dentro da dance music teve. Tornou-a em pop music. Música que eu oiço, tu ouves, mas também a minha mãe, o teu avô ou a tua filha. Toda a gente ouve. É mainstream. E o mainstream, meus caros amigos não acaba, reinventa-se.
 
E é exactamente essa a minha previsão - que vale o que vale, ou seja muito pouco - a EDM não morre, reinventa-se. É preciso dar-lhe alma. Fundi-la com música. Com reggae, com hip hop, com world music, com as raízes do house, do techno, do deep, do jungle, enfim, com tudo.
 
Mais do que nunca, é preciso criatividade, porque uma coisa é certa: quem continuar no caminho fácil do "mais do mesmo" vai definhar.
 
Hugo Serra Riço
Publicado em Nightlife
terça, 16 abril 2019 19:39

DJs vs Produtores Musicais

A indústria da música é um mistério para todos os que estão de fora. As portas para entrar são muitas, mas pouco nítidas. Existem vários caminhos a percorrer, mas estão todos intercalados. 

Na música eletrónica um dos primeiros dilemas é por onde começar. Vou ser DJ ou vou ser Produtor Musical? Queremos ser os dois, mas será que essa é a solução para todos?

Um DJ não tem de ser um Produtor e vice-versa, cada um tem um papel dentro da indústria e o caminho a percorrer está diretamente relacionado com o objectivo de cada um.

O DJ é um entertainer, um intérprete das músicas que toca. Os seus talentos passam pela selecção da música, pela presença de palco e pela capacidade de ler a multidão que tem à sua frente. O seu grande desafio é pôr até a pessoa mais tímida, no fundo da plateia, a dançar. Não é um trabalho fácil. Cada espectáculo exige preparação, capacidade de interpretação e uma energia equivalente àquela recebida pelas dezenas, centenas ou milhares de pessoas que têm à frente.

O produtor não precisa de ser um entertainer. O processo de criação de áudio requer outro tipo de competências. É um processo igualmente criativo, mas mais longo e mais solitário. Precisa de existir uma capacidade de apreciar e absorver vários estilos de música e, mesmo assim, criar algo completamente diferente. 

Embora seja comum no meio associar imediatamente o DJing e a Produção Musical à música eletrónica, ambos os profissionais têm um leque de competências que vão muito além deste universo. Um apaixonado pela música eletrónica tem dúvidas por onde começar, porque as vê como complementos, imagina-se como um DJ de festas e festivais que pretende produzir as próprias músicas. 

No entanto, num contexto de formação, é importante que no início do seu percurso sejam guiados, mostrando-lhes as diversas carreiras que podem percorrer, e que cada caminho é infinitamente mais abrangente do que o preconceito inicial. Como em qualquer área de formação e desenvolvimento, é necessário entender que o futuro é incerto e que uma formação sólida numa dada área pode resultar numa carreira promissora por caminhos não previstos. É nestes caminhos alternativos que as duas áreas se separam e cada um deve analisar qual a opção que reúne competências que o possam levar a trajetos profissionais mais promissores e nos quais se sentirá mais realizado.

Ainda que um DJ possa estar mais associado à música eletrónica, a festas, clubes ou festivais, e que esse seja o grande sonho de um jovem aluno, o futuro pode reservar-lhe a uma carreira de sucesso na rádio, relegando as festas para complemento esporádico ou apenas hobby. Neste caso, as competências de Produção Musical serão pouco mais do que um saber que não ocupa lugar ou mais uma ocupação de tempos livres.
 
Por outro lado, um produtor musical, poderá escolher ao longo do seu percurso dedicar-se à produção de música para outros, sejam eles DJs ou bandas, etc. O conhecimento técnico e criatividade de um produtor musical pode levá-lo até carreiras ainda mais distantes da sua ideia inicial, fazendo carreira na televisão, cinema, rádio ou até no desenvolvimento de músicas para a indústria dos videojogos. Tudo o que precisa de acompanhamento de música precisa das competências de um produtor musical. 
 
Se já andas com o "bichinho" da música, seja eletrónica ou não, começa por pensar em que contexto é que gostarias de te inserir. Alarga o leque de opções e entende que decisão te pode abrir mais portas com que te identifiques. Esse primeiro passo vai-te ajudar a aproveitar ao máximo o tempo de aprendizagem. 

Se o teu objectivo é entreter uma multidão, então vais querer ser DJ.
Se gostavas de fazer a banda sonora de um filme, vais querer ser produtor musical. 
Se gostavas de fazer criar efeitos sonoros para um jogo de playstation, vais querer ser produtor.
Se gostavas de passar música na rádio, então, se calhar, queres mesmo ser DJ.
E os exemplos continuam.

A verdade é que não estás limitado a um ou outro, podes ser os dois, podes não querer perder a oportunidade de tocar o teu próprio som. As opções são infinitas e nós não podemos escolher por ti. Esperemos que isto tenha ajudado, pelo menos a definir prioridades e a alinhar objectivos.
 
AIMEC
Academia Internacional de Música Eletrónica
Publicado em AIMEC
sábado, 14 abril 2018 22:47

O DJ e a (in)capacidade de integração

Muitas vezes me perguntam a opinião acerca do actual estado da noite e do mercado de trabalho para os DJs nacionais. Apesar desta ser uma temática bastante complexa, basta recuarmos uma dezena de anos para facilmente conseguirmos encontrar um paralelismo que de certa forma ajuda a responder a esta pergunta. Será fácil para mim e todos os meus colegas conseguirmos nomear pelo menos quinze ou vinte clubes dessa altura que geriam as suas programações baseadas não nas exigências musicais acentuada dos seus clientes mas sim numa política de gestão daquilo que eles próprios consideravam importante para oferecer uma real e sustentada personalidade e identidade para as suas casas. Era relativamente usual vermos todos os fins de semana vários artistas nacionais a viajarem de Norte a Sul do país, criando desta forma uma dinâmica de indústria que acabava por ser benéfica para uma classe que paulatinamente ia criando os alicerces imprescindíveis para conseguir atingir um nível de profissionalismo condizente com as exigências de um mercado em pleno crescimento.
 
O problema, na minha opinião, surgiu quando as regras mudaram de um momento para o outro. O nosso país entrou em crise, trazendo com isso sérias consequências aos mais variados sectores da nossa sociedade, incluindo, como é óbvio, as artes. As rádios abriram o filtro numa tentativa de conseguir cativar cada vez mais ouvintes e a televisão não demorou a fazer o mesmo, já para não falarmos do facto de que a maioria da população portuguesa passou a dispor de Internet de uma forma praticamente livre, o que a tornou uma ferramenta magnífica que dava a todos a possibilidade de se educarem a eles próprios, neste caso específico musicalmente. Esta opção soa, por si própria bastante interessante, termos a possibilidade de ouvir o que muito bem entendermos não só é um feito amplamente merecido mas também uma grande vitória na livre expressão de um povo, nomeadamente na procura de informação, especialmente nós, que não à tanto tempo assim saímos de um ditadura que nos impedia inclusivamente de estar em contacto com novas formas de expressão artística. 

(…) tornou-se automaticamente muito mais difícil gerir e programar um espaço de dentro para fora, uma vez que as pessoas passaram a querer ouvir nas pistas de dança o que ouviam no carro ou em casa.

 
Mas com todas estas boas notícias surgiram também algumas menos positivas. Devido ao facto de muito rapidamente nos termos apercebido de que, comercialmente falando, cada pessoa acaba por ter a sua própria maneira de apreciar a música, tornou-se automaticamente muito mais difícil gerir e programar um espaço de dentro para fora, uma vez que as pessoas passaram a querer ouvir nas pistas de dança o que ouviam no carro ou em casa. Com isso rapidamente a personalidade e identidade de um clube passou para segundo plano, fazendo com que os empresários deixassem de se poder dar ao luxo de pensar a médio longo prazo, tendo que começar a repensar todas as decisões comerciais dos seus espaços, incluindo a parte da programação musical, que passariam a ter nas suas cabines. De um momento para o outro, o DJ nacional que não fosse musicalmente "acessível" ao que a partir daquela altura os responsáveis dos espaços necessitavam, acabaram por lentamente começar a ser postos de lado, muito por culpa dos cachets que a partir dessa altura começaram a ser considerados altos e não justificados devido ao facto do estilo de determinado artista não se enquadrar com a política musical adoptada por determinado espaço. 

O que importava era o lucro fácil e rápido,  tanto por uma questão concorrencial como principalmente para se conseguir fazer frente a compromissos financeiros, algo absolutamente compreensível para quem, como eu próprio, também tem negócios na Indústria da noite além da música, mas que facilmente retira consistência e preponderância para algumas das características principais que um espaço que oferece um serviço de diversão nocturna deveria proporcionar aos seus clientes, a diferença, qualidade e identidade em que tanto me foco nesta crónica e que como é evidente também se reflecte no tipo de consumos que uma clientela de circunstância oferece, afinal um risco que se corre quando se quer encher uma casa a qualquer custo. Consequência natural de todas estas mudanças foi o facto de ano após ano vermos clubes que ainda tentavam seguir a política do "elitismo", como então lhe passaram a chamar, a fecharem portas, incapazes de contrapor uma política de qualidade com o facilitismo auditivo com que os grandes grupos cada vez mais acenavam. Começou-se então a culpar o DJ nacional pela sua "incapacidade de integração" no circuito e voltámos por exemplo a apostar nos grandes nomes internacionais, o que longe de ser mau em muitos casos, camufla um problema muito grande, que é o facto de que o que é nosso ter cada vez menos espaço para trabalhar, pelo menos por valores equitativos com o seu valor, até porque não nos podemos esquecer de que não são só os artistas internacionais que vivem exclusivamente da música.

Posto isto chegamos ao estado do nosso mercado actual, que se resume a quatro opções quando se pensa no curto prazo: opção um, apostamos em nomes internacionais quando queremos ser "elitistas", porque assim não se chateia ninguém, afinal de contas está na moda e pode passar as músicas que quiser, até porque, opção dois, temos um DJ residente que resolve tudo porque sabe e tem as músicas todas que lhe vierem pedir, faz toda a gente feliz e melhor que tudo, cobra tanto como um funcionário qualquer do clube. Opção três, temos aqueles rapazitos que conhecem toda a gente, até passam música com os cotovelos e em tronco nu se for preciso e trabalham tão bem como o DJ Residente e por último como opção quatro temos aquele artista com 10, 15 ou 20 anos de Carreira, que lutou anos a fio pelo respeito e reconhecimento de uma profissão que no início era tudo menos apaixonante ou cheia de glamour mas que aqui e ali não tem as músicas que toda a gente conhece e certamente não se importará de trabalhar por um cachet simpático (aos olhos dos proprietários dos espaços) para ter o seu nome num alinhamento com um grande nome internacional, afinal já tem tão pouco trabalho que até o estamos a ajudar. É lógico que como resultado final, a vertente identidade e personalidade acaba claramente por ficar comprometida, mas no final o que interessa é que tenhamos fotografias com a casa cheia, os compromissos financeiros resolvidos e dinheiro em caixa, se bem que esperando ao mesmo tempo que ninguém se lembre de abrir um novo espaço por perto, porque não convém, pode-se perder freguesia e isso não interessa a ninguém, especialmente depois desta trabalheira toda que tivemos a preparar tudo como eles gostam.

Que fique bem claro que não pretendo de maneira alguma minimizar o trabalho de alguns excelentes clubes, DJs residentes ou DJs nacionais e internacionais que continuam a estar no nosso circuito de trabalho, muitos deles meus amigos que muito admiro e que valorizam a nossa indústria, esta crónica tem um teor claramente generalista que reflecte, na minha opinião, uma situação geral e nunca individual, estando obviamente centrada única e exclusivamente na temática DJ, uma vez que olho para o tema DJ/Produtor como uma realidade completamente diferente e que será inclusivamente tema para uma futura crónica.
 
Carlos Vargas
Publicado em Carlos Vargas
 
Quantas e quantas vezes, depois de um gig, não chegaste a casa ou ao hotel e ainda ouves um zumbido super agudo, que se torna incomodativo, parecendo por vezes que acabamos de sair de um voo de avião? Pois, sofreste de perda de audição temporária. Em princípio os teus ouvidos recuperam, mas com o passar do tempo e com a exposição constante à música demasiado alta, o mais provável é quando acabares a tua carreira de DJ já tenhas perdido grande parte da tua audição.
 
Bem, mas nem tudo está perdido:
 
1. Não bebas enquanto estás a tocar. Eu sei que é uma seca não beber enquanto se toca, mas na verdade o álcool faz com que o volume demasiado alto numas colunas de monição não seja perceptível, ou seja, quanto mais bebes, mais aumentas a monição e mais "estragas" os ouvidos - e nem sequer te dás conta!
 
"O álcool bloqueia especificamente as frequências mais graves, afectando numa maior escala as 1000 Hz, que é a frequência crucial para a perceção de um diálogo. Em conclusão, o álcool afecta a audição sendo que algumas frequências são mais afectadas que outras."
 
2. Desliga a monição entre as misturas. Basicamente, para os DJs a perda da audição não ocorre do ruído excessivamente alto, mas sim do tempo em que estamos expostos a esse ruído alto. Se estivermos atentos aos níveis da monição e se formos diminuindo o volume após cada mistura, os nossos ouvidos vão recuperando ao longo do set. Em suma, aumenta a monição o suficiente para conseguires fazer uma boa mistura e após a mesma, reduz a mesma de forma a que estas te permitam escutar a música não muito alta.
 
Para perceberes melhor do que falo, consulta este estudo que te vai ajudar a compreender os tempos máximos a que deves estar exposto a certos ruídos: http://www.cdc.gov/healthyyouth/noise/signs.htm.
 

(...) Uma vez que estamos expostos a música demasiado alta, o cérebro tem dificuldades em saber o que está alto ou não - e isto piora à medida que vamos tocando.

 
3. Usa um medidor externo de DB. Esta é aquela que nem eu próprio alguma vez fiz, mas convém referenciar. Uma vez que estamos expostos a música demasiado alta, o cérebro tem dificuldades em saber o que está alto ou não - e isto piora à medida que vamos tocando. Por isso, sem um medidor externo torna-se praticamente impossível de controlar o volume.
 
Existem algumas cabines que têm medidores de DBs para controlo da casa e dos próprios DJs. Outros podem usar leitores de DBs especializados ou então, através de apps para o telemóvel. Convém lembrar que os microfones dos telemóveis têm alguma dificuldade em captar as frequências mais graves e em distinguir níveis acima dos 100db.
 
Os níveis recomendados de escuta, em 3 situações diferentes são:
  • 100 dB num festival ao ar livre;
  • 103 dB num clube com um pé direito baixo;
  • 106 dB num clube com uma acústica péssima.
 
Após a mistura, é recomendado que se mantenha a monição nos 90 dBs.
 
4. Proteção feita à medida do nosso ouvido. Esta é a mais cara, mas a mais simples e a mais duradoura. Desde que tenho os meus "custom earplugs" que nunca mais senti aquele zumbido nos ouvidos após um gig. Aliás, já chego aos clubes com eles postos e só quando saio é que os tiro - e parece que nem estive exposto a barulho nenhum. Em Portugal podem fazer um molde personalizado na GAES e eu recomendo o filtro atenuante ER-15.
 
Ficam aqui as minhas recomendações para que consigam manter a vossa audição durante o maior tempo possível. Para os DJs/Produtores isto é essencial, porque com o passar do tempo e com a exposição prolongada a volumes excessivamente altos, chegamos a uma altura em que no estúdio deixamos de ouvir certos sons e as músicas depois começam a sair desequilibradas.
 
Boas Mixes! :)
 
Daniel Poças
FY2 - The Party Rockers
Publicado em Daniel Poças
sexta, 17 junho 2022 09:58

Circle Of Life

Longe de mim pensar que após uma longa pandemia, que forçosamente parou a minha atividade, iria prolongar a já bastante e sofrida "pausa".
E assim foi, estávamos no início do segundo trimestre de 2021 quando tive a melhor notícia da minha vida, não que ia retomar a atividade (algo que muito ansiava), mas sim que ia ser mãe. Algo que confesso, até muito recentemente não estava nos planos, mas como tenho referido, foi das coisas boas que a pandemia trouxe!

Óbvio que tive que atrasar os planos do regresso, numa altura em que as notícias da abertura dos espaços noturnos e eventos começavam a surgir. Foi um reformular automático e muito natural e o foco principal ficou naturalmente na maternidade.

Do "brainstorm" para o regresso surgiu a temática "Circle Of Life", ou seja o Círculo da Vida. Foi um tema que surgiu de forma muito espontânea e a meu ver não podia ter sido melhor. Consegui fazer um tipo de fusão com o facto de ser mãe e a tour de regresso, que de seguida preparamos. Posso dizer que juntei o melhor dos dois mundos e de certa forma, fazer também, uma referência ao que de melhor a vida tem.

Muito naturalmente também foi todo o processo que se seguiu, onde passei muito tempo em estúdio, dando origem a temas lançados recentemente como "Safemoon", "Indication", "Where We Are", "Elevate" remix e outras mais que vão sair durante este ano, posso adiantar em primeira mão que uma irá-se intitular "Circle Of Life"!

Depois da temática surgiu o passo seguinte, projetar a "Circle Of Life" Tour, que vai ter lugar até ao final do presente ano (2022), e vai passar por alguns dos meus clubs e eventos preferidos.

E para o arranque, nada melhor que um dos clubs mais épicos, "antigos" e respeitados de Portugal, a Pedra do Couto. O evento teve lugar no passado sábado 7 de maio e foi fantástico! Adorei e foi sem dúvida muito bom estar finalmente de regresso a fazer o que mais gosto e rodeada de toda a energia positiva que se sentiu nessa noite.

Posteriormente, vou passar por todo o território nacional e ilhas, assim como os Estados Unidos da América, Luxemburgo e Suíça já confirmados também. Com esta tour pretendo assinalar o ano mais importante da minha vida a nível pessoal em paralelo com a minha carreira como artista.

Posto isto, posso dizer que estou a viver uma experiência tão boa que nunca pensei que fosse possível sentir algo tão forte. É sem dúvida muito gratificante sentir todo o apoio que tenho recebido nesta fase, sentir um amor inexplicável e regressar às cabines e ver ainda mais carinho à minha volta! 

Estou de regresso e preparada para espalhar toda esta boa "vibe" contagiante a todos os que me acompanharem!

A vida é feita de ciclos, cabe-nos fazer deles o melhor possível.
 
Publicado em Miss Sheila
domingo, 02 dezembro 2012 21:59

Back in the club, the story

Este mês resolvi dar a conhecer todo o processo que atravessei para criar, desenvolver e acabar o nosso novo tema "Back In The Club". A faixa foi apresentada pela primeira vez, ao vivo, na 'MEGA HITS Kings Fest' no Campo Pequeno em Lisboa, a 27 de Outubro. A ideia de fazer um tema com o Dani (Daniel Fontoura) começou após o ter visto a cantar num karaoke, no Cruzeiro MEGA HITS que participámos em maio de 2011 - fiquei impressionado com a voz dele e gostei muito de o ouvir cantar. Nesse momento, o meu primeiro pensamento foi: "Vou ter que fazer uma música com ele". Começámos a conversar sobre essa possibilidade e de como poderíamos avançar para a música e mal cheguei ao estúdio, a primeira coisa que fiz foi selecionar todos os esboços que tinha guardados no disco do meu iMac, até que cheguei àquele que usei para o "Back In The Club".
 
Lembro-me que esse tema começou pelo verso, uma melodia simples e ao mesmo tempo alegre, que estivesse de alguma forma relacionada com o nosso estado de espírito, com aquilo que os FY2 – The Party Rockers apresentam no seu estilo de set, mas acima de tudo, algo que nos divertisse e que nos desse prazer construir. Desenvolvi um pouco a ideia, sequenciei a música de forma a ser algo "apresentável" para o Dani poder opinar e ter uma base sólida para começar a construir a melodia vocal e a letra. Claro que ao longo de todo o processo criativo, várias mudanças foram acontecendo: desde mudar toda a estrutura rítmica (pelo menos duas vezes), trocar vários elementos, acrescentar e retirar beats - mas tudo isto faz parte do processo criativo e da busca pela "batida perfeita".
A meio do tema, percebi que a ajuda de um compositor seria bem-vinda e que iria tornar a faixa mais interessante melodicamente. Foi aí que conheci o Miguel Amorim. Um jovem músico, compositor e produtor que me fez ver certas coisas de forma diferente e com quem, para além da relação de amizade, mantive uma relação de trabalho constante em diferentes áreas dentro da música! O Miguel veio desempatar algumas coisas e resolver certas "equações" musicais que serviram como a "cereja no topo do bolo" - e verdade seja dita, a união faz a força e quantas mais boas pessoas tivermos ao nosso lado para nos ajudar, apoiar e aconselhar, melhor!
 

(...) Mas o que interessa é que façam algo e que trabalhem, não deixem as ideias de músicas gravadas no telemóvel ou mesmo na cabeça - exteriorizem e materializem!

 
Depois do Dani concluir a letra e a melodia vocal, gravámos alguns takes "experimentais" daquilo que poderia ser a voz no tema e fomos reconstruindo a música de forma a se adequar que nem uma luva à voz. Uma vez o instrumental finalizado, fomos para estúdio gravar a voz. Depois, basicamente, foi substituir os takes gravados no meu "home studio" pelos novos que gravámos e a música estava pronta para enviar para o Engenheiro de Som que iria misturar e masterizar o tema.
 
Por intermédio do Miguel Amorim, conheci o José Diogo Neves, um músico, produtor e Engenheiro de Som fantástico, com uma capacidade de aprendizagem fora de série (e uma paciência de aço para ouvir todos os meus devaneios) e que acabou por misturar e "masterizar" o tema – e que, a par com o Miguel, se tornou meu amigo e hoje em dia, basicamente, fazemos os três parte de uma equipa e temos a nossa "cena" juntos onde estamos em constante ligação e a trabalhar em conjunto! Após alguns ajustes e experimentações ao vivo, chegámos ao resultado final - que podem ouvir em algumas das principais rádios nacionais!
 
Eu sei que toda a gente tem a sua forma de criar e começar uma música - seja pela linha de baixo, pela parte rítmica ou pelo refrão - whatever - mas o que interessa é que façam algo e que trabalhem, não deixem as ideias de músicas gravadas no telemóvel ou mesmo na cabeça - exteriorizem e materializem! E acima de tudo, nunca desistam dos vossos sonhos!
 
 
Daniel Poças
FY2 - The Party Rockers
Publicado em Daniel Poças
segunda, 02 maio 2022 22:05

Tudo na mesma

Depois de dois anos de pandemia que forçou a uma paragem da actividade do entretenimento nocturno e eventos, o regresso veio trazer o que já se esperava - ficou tudo na mesma. 

Apesar dos esforços de inúmeras pessoas, onde associações foram criadas com investimento pessoal, numa tentativa de municiar os DJs das ferramentas necessárias para o seu reconhecimento profissional, as dificuldades foram encontradas dentro da própria "comunidade DJ". 

Rapidamente foram esquecidas as "queixas" de falta de apoios sociais, a inexistência de "voz" junto das entidades competentes, o reconhecimento da profissão e o auxílio para todos aqueles que iniciam ou que já exercem mas não têm o conhecimento de situações em que verbas que são suas por direito ficam nas mãos de terceiros.  

A desconfiança natural por parte da maioria dos DJs é justificada com o passado, onde várias associações foram criadas com intuitos poucos claros ou onde visavam o lucro, mas nem com o aparecimento de associações sem fins lucrativos, onde os associados não pagavam quotização, com estatutos claros e onde todos os associados tinham direito de apresentar candidatura aos orgãos sociais, tiveram uma recepção por parte desta comunidade para poderem oferecer o que os DJs tanto "reclamam" mas que pelos vistos não pretendem ter...

Foi uma oportunidade perdida e basta olhar para o modelo Holandês para perceber que há (havia) uma oportunidade única que podia levar à internacionalização do produto português e internamente munir os DJs de ferramentas que permitisse darem passos em frente nas suas carreiras.

Ao invés disso, agências e agentes (como eu) passaram a canalizar os seus esforços para outras áreas dentro da música, eventos e entretenimento e dezenas (para não dizer centenas) de DJs e produtores de música electrónica vão ficar pelo caminho ou com maiores dificuldades, havendo mesmo um decréscimo acentuado na contratação para eventos não especificados onde os DJs tinham o seu espaço e que foi ocupado por outro tipo de artistas e estilos musicais. 

Não há culpados (cada um é livre de fazer o que entender) mas há responsáveis e essa responsabilidade não precisa de ser assumida mas está imputada a quem deixou ficar "tudo na mesma". 
 
Ricardo Silva
Agente Artístico e Empresário
Publicado em Ricardo Silva
terça, 03 outubro 2017 19:14

Os Deejays e o respeito pela arte...

Num mercado em constante mudança, todos os Deejays (ou aspirantes) deveriam evitar ceder à tentação de apenas acompanhar e imitar tendências já existentes. Uma coisa, como Produtor, é aplicarmos as influências que todos temos na nossa música, e que fomos conquistando ao longo da nossa vida, quer seja à frente da cabine ou atrás, outra é pura e simplesmente tentar copiar o que estará eventualmente na moda do momento apenas porque se parte do princípio que essa será a fórmula para o sucesso, seja lá qual for a sua interpretação. A personalidade de um artista vê-se pela sua capacidade de adaptação ao passar das tendências sem desvirtuar a sua própria identidade, e penso que aqui começam a residir grande parte dos problemas relativos à longevidade da carreira de um Deejay ou Produtor, seja em Portugal ou em qualquer parte do mundo. Talento, perseverança, capacidade de sofrimento, amor à profissão e cada vez mais saber estar atualizado em áreas como como a Promoção, Marketing ou Imagem (estas últimas áreas deixarei para a minha próxima crónica de opinião, até porque a Sheila já se focou, e muito bem, neste tema), são cada vez mais factores fundamentais para se conseguir vingar numa profissão onde até há pouco tempo atrás bastava ser-se conhecido, ter uma cara bonita e levar muitos amigos atrás (sim, em momento algum referi a palavra música). 
 

Passar música para uma pista ou fazer música sozinho num estúdio, não poderá nunca ser resumido apenas ao factor negócio (…)


Acaba por ser um passo mais do que esperado o desaparecimento precoce dos mais variados nomes que chegaram a inundar as nossas pistas de dança de uma maneira vertiginosa mas que chegada a altura de colocar em prática algum dos predicados acima referidos os fizeram desaparecer com a mesma rapidez com que apareceram. Como em tudo na vida o amor à nossa arte é o que sustenta tudo e é preciso realmente ter uma abnegação muito grande para seguir em frente, por muito duros que sejam os obstáculos. Felizmente o nosso mercado está a mudar, a fasquia da qualidade está cada vez a ficar mais exigente e parece-me a mim que as coisas começam a ficar cada vez mais arrumadas nos seus devidos sítios. Passar música para uma pista ou fazer música sozinho num estúdio, não poderá nunca ser resumido apenas ao factor negócio, no fim acabará sempre por ter que vir de dentro aquilo que realmente vai tocar os nossos fãs, críticos, promotores, seguidores ou colegas de trabalho. No caso específico da produção não basta acordar de manhã e pensar que seria giro ser produtor, só porque todos os outros o são e até fica bem no flyer. Tal como na vertente do Deejay, para se ser Produtor musical é preciso ter predicados únicos que não poderemos de forma nenhuma ignorar por pensarmos que um qualquer "sample pack" juntamente com o fácil acesso a um programa de produção nos vai fazer evitar ter que trabalhar e estudar para podermos criar livremente sem limitações.
 

(...) não é por o nosso vizinho nos dizer que até temos jeito para a coisa que vamos pensar que encontrámos a nossa vocação.


Não poderemos nunca encarar tudo isto de uma forma leviana, como em todas as áreas temos seres humanos que têm aptidões para desempenhar o seu trabalho e outros que não, e não é por o nosso vizinho nos dizer que até temos jeito para a coisa que vamos pensar que encontrámos a nossa vocação. Carisma, personalidade e capacidade de integração não são características que possamos fingir, ou as temos ou não, e a consciência desses factores são determinantes para a nossa realização pessoal e acima de tudo para uma arte que cada vez mais precisa de ser respeitada. Seguir esta vida é tudo menos ser-se reconhecido, ter bebidas de borla ou entrar sem esperar na fila dos clubs ou festas da moda, é sim, estar preparado para sacrifícios sociais, pessoais e familiares que muitos de vocês que estão a ler esta crónica saberão do que estou a falar, porque certamente já o viveram. Ser Deejay é ter tudo menos uma vida normal, é ter que sacrificar tudo em prol de uma causa e estar preparado para sofrer as consequências, sendo a nossa grande recompensa a realização de ver quem está à nossa frente levantar os braços e esquecer os seus problemas nem que seja por um par de horas. Eu pessoalmente não gosto muito de pensar em planos muito alargados para a minha carreira, gosto de trabalhar no dia a dia e acima de tudo sentir que o que faço tem um sentido válido para mim, para aqueles que estão próximos de mim e para quem me ouve e segue. Tudo o que vier além disso acaba por ser agradável bónus que tem que saber ser muito bem gerido. Muitas vezes penso que a próxima data poderá muito bem ser a última, que posso estar a fazer a última viagem, a última conversa no carro com o meu agente, a visitar o último hotel e por isso mesmo todos os dias sinto mais força para continuar a desemprenhar a minha função nesta vida, que profissionalmente é sem dúvida nenhuma a música.

Muitas vezes recebo mensagens de pessoas que me perguntam o que devem fazer para serem Produtores, que programa utilizar ou que curso tirar e a todos dou uma resposta que se calhar não gostam de ouvir, que é aprender a tocar um instrumento musical, afinal estão a fazer música e provavelmente o primeiro ano até é chato, mas passados dois ou três até vão começar a achar piada e começar realmente a desfrutar da beleza única que é a linguagem musical. Penso que se calhar essas pessoas acham que é desperdiçar muito tempo, não me parece que seja muito essa a resposta que esperassem ouvir, cada vez recebo menos mensagens dessas... Mas o essencial a retirar deste pequeno exemplo, é que sem esforço e determinação até podemos conquistar pequenas coisas, mas as grandes estão destinadas a quem vê a luz que aparece na altura em que tudo parece negro e acabou, qual sinal que te diz para continuares em frente, porque o resto não interessa, mesmo que tudo em ti te faça questionar os porquês, porque nada parece fazer sentido. O melhor de tudo é que tenho a certeza que muitos de vocês com certeza que percebem o que quero dizer e se identificam com o que aqui escrevi desta vez, e se por acaso não, aconselho vivamente a procurarem outro objectivo de vida. 

Eu tenho a certeza da minha vocação e propósito nesta vida, e tu?
 
Publicado em Carlos Vargas
É com bastante satisfação que vejo que este ano, ainda mais do que nos anos anteriores, Portugal faz parte da agenda de muitos “top“ DJ’s Internacionais, de diferentes áreas musicais. Portugal está na moda e isso reflecte-se no turismo e nos eventos que acontecem todos os fins-de-semana, especialmente nesta altura, de Norte a Sul do país. É muito bom ver eventos praticamente esgotados, à tarde, à noite, fim-de-semana após fim-de-semana (e muitos dias de semana...), com artistas que participam nos melhores festivais de música electrónica pelo mundo fora. Depois de passarmos por um período “negro” economicamente que se reflectiu na quantidade (e qualidade) de eventos que tivemos, é com muita satisfação que vejo os cartazes dos eventos recheados de grandes nomes provenientes das várias áreas da música electrónica. Eu vou participar em alguns desses eventos, e nos que já aconteceram, como por exemplo o Sound Waves do passado dia 29 de Julho em Esmoriz, a afluência de pessoas foi superior à dos últimos anos.
 
Voltámos a ser “A Paradise Called Portugal”. Quem já anda dentro da “dance scene” portuguesa há alguns anos certamente se lembra desta frase, muito repetida pelas revistas lá fora depois de ter sido o título de uma reportagem da revista Inglesa Muzik em 1995. Nos anos 90, as revistas eram o principal meio divulgador da “dance scene” a nível internacional (ainda não tinha chegado a internet...) e nessa altura a DJ Mag, Mixmag e a Muzik eram três das principais revistas inglesas totalmente dedicadas à música electrónica. A meio da década dos 90, as três mandaram várias vezes repórteres a Portugal para cobrirem a vibrante vida nocturna nacional, chegando mesmo a dizer que “Portugal é a nova Ibiza”. Começou a haver uma programação regular de grandes artistas internacionais, quer em clubs quer em eventos, e Portugal começou a aparecer, pela primeira vez, na agenda dos grandes DJ’s internacionais. Já tinham acontecido alguns eventos pontuais com artistas internacionais de topo (lembro-me do evento no Castelo de Santa Maria da Feira em 1992, com Danny Tenaglia e Jaydee entre outros artistas, como um dos mais importantes) mas não havia ainda uma programação regular de eventos, quer em clubs quer como produções independentes, com DJ’s que fizessem parte do circuito internacional.
 

(…) todos me diziam que o nosso país era fantástico e que não entendiam como sendo tão pequenos em dimensão, tínhamos uma vida nocturna tão vibrante (…)



 Com as reportagens das revistas Muzik, DJ Mag e Mixmag (entre outras), Portugal começou a estar no “mapa” dos principais DJ’s e houve um “boom” de eventos com cartazes ainda hoje impressionantes se considerarmos a dimensão do nosso país. Foi a partir dessa altura que ficaram famosas as semanas da Páscoa no Algarve onde todos os dias durante uma semana (às vezes até mais...) se podiam ouvir muitos dos DJ’s/Produtores mais importantes a nível internacional, quer na Locomia (no espaço onde hoje existe o Le Club, em Albufeira), quer na Kadoc, espaço que hoje se chama Lick Algarve, em Boliqueime, perto de Vilamoura. Além de todos esses eventos no Algarve durante o período da Páscoa, aconteciam também muitos eventos regulares no Pacha em Ofir e no Vaticano em Barcelos, entre muitos outros clubs. Foi um período dourado da “dance scene” em Portugal e onde o nosso país era referido muitas vezes na imprensa estrangeira especializada como um dos melhores locais da Europa para a “club scene”, com fantásticos clubs e um público com uma entrega e um gosto musical sem igual. Acompanhei muitos DJ’s estrangeiros quer enquanto residente no Rock’s em Vila Nova de Gaia, quer mais tarde quando fazia parte da produtora de eventos X-Club, e todos me diziam que o nosso país era fantástico e que não entendiam como sendo tão pequenos em dimensão, tínhamos uma vida nocturna tão vibrante e com tanta qualidade.

Infelizmente, e por vários motivos, esse período acabou de maneira repentina. Como a “dance scene” em Portugal atingiu uma dimensão considerável em termos de negócio, rapidamente começaram as disputas entre produtoras (e até DJ’s) para conseguir fazer o evento no club “Y”, tentando bloquear o artista “Z” à outra produtora para que não pudesse fazer um evento com esse “top” DJ. Foram muitas as situações a que assisti, de ambos os lados das principais produtoras dessa altura, para tentar bloquear datas, discotecas, artistas, etc. Obviamente isso não podia ter um desfecho feliz e o resultado foi que a rentabilidade dos grandes eventos foi sendo cada vez menor (até porque cada vez os cartazes eram maiores e mais caros...) e cada vez foi sendo mais difícil trazer pessoas a esses eventos. Obviamente também porque se esgotou um pouco o factor “novidade” dos primeiros anos e a crise que apareceu em 2000 (sim, já estávamos em crise nessa altura...) fez o resto. Deixámos de ser um paraíso para a música electrónica internacional e durante algum tempo poucos eram os eventos que contavam com artistas de topo a nível mundial.
 
20 anos depois do “Neptunus Music Festival”, evento que aconteceu nos dias 2 e 3 de Agosto de 1997 em Albufeira (no local onde agora é a Marina) e que para mim (e para muitos) colocou Portugal definitivamente no mapa dos grandes eventos de música electrónica a nível internacional, surge o BPM Portugal. Pela primeira vez, a produção de um dos maiores festivais de música electrónica do mundo (que engloba as labels e produtoras mais importantes a nível internacional) vai sair de Playa Del Carmen no México, depois de 10 edições e escolheu Portugal. Não foi por acaso. Portugal está mesmo na moda a nível internacional!
 

(…) só espero que não se cometam os mesmos erros que se cometeram no passado e que esta dinâmica dure muito mais do que durou antes, o nosso público merece!

 
O “Neptunus Music Festival” trouxe a Albufeira quase 40 dos “top” DJ’s internacionais da altura (lembro-me que o único que não pode vir na altura foi o Danny Tenaglia porque não tinha nenhum dos dias disponíveis) para atuarem em dois dias em quatro tendas em mais de 12 horas por dia, em cada tenda. Eu tive a honra de actuar em duas das tendas. Nunca tinha sido feito nada do género em Portugal até essa altura e foi um sucesso tremendo.
 
O BPM Portugal, 20 anos depois do “Neptunus Music Festival”, vai conseguir juntar muitas das maiores labels e produtoras de grandes eventos internacionais que vão trazer praticamente TODOS os grandes artistas ao Algarve, entre os dias 14 e 17 de Setembro, num evento que certamente vai marcar a “dance scene” em Portugal.

Vendo todo este “boom” de grandes eventos em Portugal, com grandes artistas, só espero que não se cometam os mesmos erros que se cometeram no passado e que esta dinâmica dure muito mais do que durou antes, o nosso público merece!
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
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