Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
Existe um filósofo francês chamado Paul Virilio que defende que, na sociedade actual, é a velocidade o que define os vencedores e os líderes. Nas palavras dele: “a velocidade da luz já não transforma o mundo, a velocidade da luz é hoje o mundo”. Nada mais correcto. A meu ver, a velocidade é hoje a força motriz de qualquer pessoa. Todos estabelecemos prazos - cada vez mais curtos - para alcançar objectivos e encaramos como falhanço se não os alcançarmos. A nossa sociedade hoje funciona assim. É refém da velocidade. Fazer bem é fazer rápido.
 
É certo que este é o mundo em que vivemos. Se olharmos para o que nos rodeia percebemos facilmente que as músicas se tornam facilmente epifenómenos. Basta pensar que há não muitos anos atrás, hits mundiais das pistas de dança subsistiam no tempo e, hoje em dia, é bastante improvável apanhar os hits de 2013 ou 2014 em 2015. Nos próprios radioshows dos top DJ’s da actualidade há uma quase obsessão com a novidade e a exclusividade. É mesmo difícil em grande parte deles encontrar “músicas já editadas”, quase como se as músicas por já terem sido editadas ultrapassassem o prazo.
 
Este, a meu ver é um dos principais problemas da nova geração de produtores e DJ’s que surgiu nos últimos dois / três anos. É obcecada com a velocidade. Quer, a todo o custo, fazer rápido. Mas atenção que fazer rápido não significa fazer bem. Mas o erro não está em querer fazer rápido. O erro está em só querer fazer rápido, ou, de outra forma, só admitir como sucesso fazer rápido.
 
A verdade é que o insucesso gera frustração. E, em grande parte das vezes, o insucesso e a frustração são nada mais que sinónimos de impaciência. Todos olham para fenómenos como Martin Garrix ou Madeon e pensam “também quero ser um prodígio de 16 ou 17 anos, cheio de sucesso”. Mas esquecem-se que estamos a falar em primeiro lugar de artistas com uma estrutura profissional gigantesca e em segundo lugar de artistas que, apesar da juventude, já cá andam há alguns aninhos. 
 

O talento só não é premiado quando os talentosos desistem. Parece um cliché, mas é assim que a vida funciona.

 
Por isso quando se sentirem frustrados, ou a achar que vivem num mundo cruel em que só não têm sucesso porque “o público não tem cultura”, “nenhuma agência aposta em mim”, “não tenho um bom estúdio”, “não tenho dinheiro para investir”, “nasci no país errado”, pensem que grande parte dos top DJ’s da actualidade, tirando poucas excepções, construiu uma carreira ao longo de 5, 10 ou 15 anos antes de chegar ao topo. É como em tudo, nenhum recém-licenciado começa a trabalhar como Director numa multinacional. Se for um prodígio, trabalhar e fizer tudo bem, certamente lá chegará. E sim, em Portugal como em tudo, as coisas obviamente demoram um bocadinho mais.
 
Não estou a dizer para serem passivos ou abrandarem o ritmo. Nada disso. Apenas que precisam de conviver com o tempo, tendo sempre em mente que o talento é sempre premiado. Mais tarde ou mais cedo. Pode tardar, mas é quase uma inevitabilidade. O talento só não é premiado quando os talentosos desistem. Parece um cliché, mas é assim que a vida funciona. É como diz o ditado: “Roma não se fez num dia”.
 
Hugo Rizzo
Publicado em Hugo Rizzo
domingo, 09 agosto 2020 14:43

A saúde mental do entretenimento

O verão em Portugal é sinónimo de festa, diversão e convívio. Não só festivais de verão com cartazes internacionais, mas sobretudo centenas de festas municipais e religiosas, bailes, convívios e concertos ao ar livre espalhados em todo Portugal e Ilhas. 

Por esta altura do ano é normal para quem trabalha no sector de entretenimento toda a azáfama, correria, poucas horas de sono. A criação de sorrisos e felicidade a milhares de pessoas é uma rotina diária. E tudo isto graças ao trabalho dedicado de milhares de técnicos, artistas, agências, seguranças, limpeza, comerciantes locais, carrocéis, entre outros.

O que está a acontecer no verão 2020 é uma nova realidade que nunca foi experienciada. 

Até que ponto estará em causa a saúde mental de todos os profissionais deste sector? E já agora a de todos os utilizadores finais, o público, que neste caso é apenas e só toda a população portuguesa? 

Ter contas por pagar e a família para sustentar é uma realidade que assusta qualquer indivíduo na nossa sociedade.

O sentimento de impotência é gigante. Ainda que se pense desesperadamente em trabalhar temporariamente noutro sector económico, permanece o "pequeno" problema de toda a economia portuguesa estar em baixa, numa altura em que a maioria das empresas entram em período de férias e o turismo externo cai a pique devido à pandemia. 

Para a maioria das pessoas não se vê grande solução, portanto. Isto obviamente potencia o desespero interno mental de qualquer indivíduo. Estão aqui em causa graves problemas de saúde para muitos milhares de pessoas, nomeadamente depressões, que poderão originar um ciclo destrutivo individual e familiar nos próximos meses. 

Para piorar tudo, há a incerteza total sobre o futuro do próprio sector. 

Quando nem sequer há uma luz ao fundo do túnel... fica tudo mais difícil de consciencializar, enfrentar e lutar.  Afinal de contas, se não sofremos de COVID podemos ainda assim sofrer outras consequências muito graves para a nossa saúde a longo prazo.

E o que irá acontecer à população em geral que se vê privada, ou muito limitada, de animação, convívio, reencontros...? Não há mesmo nenhuma forma de minimizar estes danos sociais? Já se percebeu que Portugal é dos poucos países Europeus onde nem sequer será autorizado abrir estabelecimentos de entretenimento num formato de horário normal noturno, absolutamente necessário para dar um boost de diversão e satisfação a todos.

Num país desenvolvido, toda esta temática do âmbito psicoemocional deveria ser abordada pelos governantes, comunicação social, etc. Contudo, mais uma vez Portugal ignora por completo a componente psicológica de uma grave crise num sector de atividade, e neste caso, do possível início de uma crise financeira em todo o país. Foi assim em 2010 e é agora com o COVID. 

Sobretudo no sector de entretenimento e cultura devemos por isso estar mais atentos e solidários uns com os outros, a todos os níveis. Nunca houve uma situação tão extremista de desaparecimento de atividade como a dos dias de hoje.

É importante e benéfico haver sempre concorrência num sector de atividade. No entanto um fator muito mais valioso se levanta: a saúde mental de todos nós, que irá fazer a diferença para que o sector se possa levantar mais rapidamente, assim que haja condições sanitárias e governamentais para tal.

A união, o apoio e o positivismo são absolutamente necessários para enfrentar os desafios e estigma social que ainda todos nós temos pela frente, enquanto durar a sociedade COVID19. 

#NãoVaiFicarTudoBem, mas podemos contribuir para que fique tudo melhor!
 
João Casaleiro
CEO Agência DO HITS
Publicado em João Casaleiro
sexta, 09 outubro 2020 22:01

Está quase tudo diferente

Muitos de vocês não me conhecem. Faço produção de eventos e é no backstage e longe das câmaras que me sinto bem.

Fiz parte da criação de alguns projetos e conceitos inovadores e do relançamento de muitos outros - (Flash, Bloop, Ribatexas, I Love Baile Funk, Revende of the 90’s, para vos dar alguns exemplos). Neste momento abraço o projeto H Collective, empresa detentora de alguns destes conceitos e entrei recentemente num novo desafio chamado "Lorosae", um Restaurante/Bar de praia na Costa da Caparica.

Nesta altura do ano normalmente estaria envolvido em duas ou três rentrées de espaços noturnos em Lisboa, só que não. Deveria estar a preparar o lançamento da nova Tour Revenge of the 90's, só que não. Estou com tempo para escrever este artigo de opinião durante o mês de Setembro.

Estamos cansados de não poder trabalhar, a tentar reinventar negócios e formas de estar. Estamos com saudades. Passaram 6 meses desde que o nosso mercado parou e dançar juntos de copo na mão já parece uma coisa do passado.

No início parou mesmo, mas em meados de Julho quando alguns espaços, depois de algumas readaptações, começaram a conseguir fazer algum tipo de eventos com lugares sentados e o devido distanciamento, apareceu uma luz de esperança e o pensamento imediato foi: "isto a pouco e pouco vai arrancar". 

Alguns arregaçaram as mangas e conseguiram dar a volta para abrir, outros não tinham nos seus espaços forma de contornar as coisas para estarem legais nas novas regras. Em tempos tão difíceis foi engraçado ver as pessoas a adaptarem-se a estar depois de um copo ou dois sentadas no mesmo sitio a dançar, à frente da cadeira, a irem ao bar e prolongar a conversa com o barman para poderem estar de pé mais um bocadinho a abanar o corpo em modo dança reprimida.

Durante esta fase assisti com tristeza a pessoas exteriores aos negócios, e até mesmo concorrentes, com empenho em fazer denúncias e prejudicar de forma dramática a possível e lenta retoma.

O mercado da noite e eventos está difícil, praticamente parado, e é tempo de dar os braços, estar unidos e arregaçar as mangas. A concorrência é muita, e mais agora que as pessoas que saem de casa para eventos são ainda menos, mas quanto mais unido estiver o mercado maior a força junto das entidades competentes para um aceleramento da retoma. 

Os eventos e a noite como nós os conhecíamos vão voltar. Até lá muita força para todos porque quando voltarmos não vamos ter mãos a medir.
 
Miguel Cruz
Empresário/Produtor de Eventos
Publicado em Miguel Cruz
quinta, 03 outubro 2013 19:19

From a paradise called Portugal...

 
Enquanto escrevo estas linhas, entra pela janela, através dos pinheiros que circundam a minha casa, uns belos raios de Sol. Está um fantástico dia de Outono, e parece-me indicado para o assunto que desta vez irei abordar na minha crónica.
Falta a banda sonora, e tal como o título sugere, terá que ser portuguesa. Olho para a prateleira dos CDs e... voilá! "Kaos Totally Mix" de 1995 salta à vista. Nem mais... Play!
 
"Kaos Totally Mix" misturado por DJ Vibe é uma obra de culto da música electrónica nacional. Lançado em 1995, representa o esplendor máximo do que foram os tempos de ouro da música de dança em Portugal. É recheado de temas emblemáticos e condimentado por uma mistura/técnica impressionante, quase mágica de um senhor chamado António Pereira, DJ Vibe. 
 
Pois é sobre estes anos de ouro que quero falar… 
Por meados dos anos 90, no mundo da música de dança, Portugal era considerado um 'paraíso'. Artistas como Underground Sound Of Lisbon (DJ Vibe e Rui da Silva), Urban Dreams (Alex Santos), The Ozone, DJ Jiggy, Kult Of krameria, J. Daniel, DJ Tó Ricciardi, L.L. Project (Luis Leite), A. Paul, DJ ZÉ-Mig-L e tantos outros, davam vida e mostravam que tínhamos um som próprio, único e característico que representava Portugal. Éramos respeitados e acima de tudo, tocados por esse mundo fora. Nesse capítulo, é importante referenciar um nome que proporcionou esse estatuto a este pequeno país. António Cunha!
 
Fundador da empresa Kaos (que a par da edição discográfica, era também empresa de eventos), juntamente com Rui Da Silva e DJ Vibe, foi um incansável lutador, não só na divulgação de talentos, mas também como impulsionador da cena de dança num país que pouco ou nada conhecia dessa vertente. "Raves" míticas, discos míticos, anos de ouro que para sempre estarão associados a este senhor que infelizmente já partiu, e deixou saudades - muitas - de tempos que parece que nos distanciamos a passos largos. Um bem-haja a António Cunha, que descanse em Paz.
 

Sempre fomos talentosos neste aspecto, e dizer que fomos mais na altura, pois as "vitórias" foram maiores, é errado, a diferença está na união que existia, vontade, e um remar numa só direcção.

Distanciamo-nos a passos largos - sim. Pois a realidade dos dias de hoje é bem diferente. E não falo da sonoridade, porque essa, sendo ela de cariz electrónico, é lógico que sofre mudanças, mutações, evoluções. Não é o som actual que estou a pôr em causa, ponho sim, a diferença de atitude, o empenho geral e acima de tudo o que não existe nos dias de hoje, a UNIÃO ARTÍSTICA! Essa força, que faz a força. 
 
Sempre fomos talentosos neste aspecto, e dizer que fomos mais na altura, pois as "vitórias" foram maiores, é errado, a diferença está na união que existia, vontade, e um remar numa só direcção. 
 
A força foi tal, que nas discotecas, como foi citado várias vezes na comunicação social especializada, "(...) tornou-se 'in' dançar um disco de música dança nacional(...)". E era verdade, existia esse orgulho na música de dança portuguesa, esse orgulho em saber que aquela música era nacional e era boa. Patriotismo na música de dança, sim, eu experimentei esse tempo. E que tempo...
 
Hoje estamos distantes do que é nosso, pouco queremos saber, pouco nos preocupamos. E aí, a culpa não é só dos artistas, da pouca união e pouca vontade de seguir um caminho único, visando o sucesso geral e não o propósito de ser o número 1. A culpa é também das rádios e televisão que pouco ou nada apostam em artistas nacionais, que pouco ou nada se preocupam em fazer para termos de deixar de importar e começar a exportar, que é o que lá fora se preocupam em fazer.
 
Hoje a rádio é um jogo de interesses, comandada por algumas empresas de agenciamento que querem vender 'peixe graúdo' internacional e que 'prostituem' artistas nacionais «a torto e a direito» e que só vêm euros. Que saudades tenho daquele dia em 1994, à hora de almoço, dentro da carrinha de trabalho do meu pai, ouvi na Rádio Comercial Underground Sound Of Lisbon - So Get Up... É verdade. Saudades...
 
A união faz a força, e nós poderíamos ser muito mais fortes, até porque já o fomos, mas temos uma mentalidade egocêntrica, queremos ser os maiores 'do nosso bairro'. A nossa geração actual da música de dança, em comparação com a dos 90, faz lembrar as duas últimas gerações da Selecção Nacional de Futebol... A nova tem mais recursos, eles têm mais estilo, são mais bonitos (Ok, alguns), mas a outra, jogava bem mais, tinha um rumo e nenhum queria ser o número 1 - eram unidos!
 
Outros tempos que saudosamente recordamos, portugueses que deixaram o seu nome na história, que muitas vezes não são respeitados nem recordados da maneira que deviam. Portugueses que queriam mais para o seu pobre país, que mesmo atravessando ao longo dos anos as dificuldades que conhecemos, sempre foi de sacrifício para que bens maiores se elevassem, e na história da nossa música de dança, esse "Paradise Called Portugal", teve o seu apogeu nos anos 90. Para quem os viveu, vai rever-se nestas minhas palavras, quem não os viveu, que reflicta, e que comecemos todos de uma vez por todas a remar para um futuro melhor.
 
Saudações musicais.
So Get Up!!!
 
Publicado em Massivedrum
sexta, 08 novembro 2019 18:27

O Tio estava lá

Lembro-me perfeitamente da 1a vez que entrei no Kremlin, devia ter praí uns 15 anos ou seja foi há cerca de 30, e só lá entrei porque o meu Pai conhecia o responsável pela contabilidade do espaço, informação que quando chegou ao meu conhecimento me fez iniciar uma pressão gigante sobre o meu progenitor até conseguir que ele ligasse para o seu amigo de modo a meter-me lá dentro.

Eu já tinha ouvido falar do Kremlin, os relatos das suas noites estavam espalhados nas páginas de alguns jornais que me entravam em casa nessa altura, como o Independente e o Expresso, mais uma vez pelas mãos do meu Pai, portanto a minha curiosidade era muita. Não era a primeira vez que eu entrava numa discoteca, eu pertenço a uma geração nascida nos anos 70 que cresceu num ambiente onde era normal levar os filhos à "boite", lembro-me de ser bastante novo e dançar em discotecas, bares e festas particulares onde pais e filhos partilhavam a pista de dança, mas o Kremlin era um espaço diferente desses, sobretudo pela música que passava.

Foi ali que ouvi pela primeira vez House e Techno, estilos carinhosamente apelidado de "Música às bolinhas" mas que incendiavam a pista de dança de uma maneira que o Rock não fazia, com mais êxtase e sensualidade, mal sabia eu que ali nas Escadinhas da Praia estava a assistir ao início de uma revolução na noite em Portugal, pouco tempo depois abriu o Alcântara-Mar, onde eu também só entrava devido aos conhecimentos do meu Pai e aí então a coisa explodiu, os relatos das festas que ali se passavam espalhavam-se não só pela cidade e arredores mas por todo o país e de um momento para o outro, ali no inicio dos anos 90, uma geração de DJs e produtores de eventos tratou de implantar uma cultura que já há alguns anos se tinha implantado na Europa e Estados Unidos.

Nomes como Tó Pereira, Luís Leite, XL Garcia, Jiggy, Tó Ricciardi, Mário Roque, António Cunha, Beto Perino, Chumbinho, entre tantos outros foram a vanguarda que levou os novos sons e conceitos de festa aos 4 cantos do país fosse em discotecas ou raves, fosse em armazéns ou em Castelos, a primeira vaga da música de dança em Portugal foi gigantesca e quem a viveu guarda-a na memória como algo excitante, mágico e de certa forma irrepetível. 

Hoje em dia a cultura da música de dança é muitas vezes o Mainstream, e nada de mal há nisso, cada vez mais são os artistas de música de dança que têm o maior destaque em festivais, festas e até arraiais. A paisagem sonora mudou muito e eu fui um dos privilegiados que assistiram à génese dessa mudança, graças ao meu Pai que muitas portas ao longo da vida abriu para mim. Hoje em dia, e por um acaso do destino, sou eu por vezes a atração em alguns destes espaços onde se dança em Portugal, também isso agradeço ao meu Pai que, tal como eu, adorava dançar e esse gene que me passou é sem dúvida uma das coisas mais importantes para o meu bem-estar nos dias que correm. Obrigado Pai, onde quer que estejas, o Sal Grosso que vou espalhando também é teu.
 
Jel
Publicado em Jel
segunda, 21 maio 2018 19:36

Avicii. O outro lado da vida de um DJ

A morte de Tim Bergling, mais conhecido por Avicii, um dos principais nomes da EDM mundial, veio confirmar o que já se sabia sobre a pressão que é feita pela "máquina" que envolve uma indústria que gera muitos milhões. O fenómeno DJ "Superstar Mundial" é relativamente recente, mas o impacto e o dinheiro gerado já se pode comparar (superando-o até em alguns casos) aos da maior parte das "super bandas" que (ainda) existem e enchem estádios. Movendo tantos milhões, envolvendo tanta gente, transformou-se obviamente num negócio muito importante que se centra simplesmente numa ou duas pessoas (ou três, como no caso dos Swedish House Mafia). Com uma estrutura altamente profissionalizada, de muitas pessoas e que abrange varias áreas de negócio, o seu objectivo é simplesmente o de rentabilizar ao máximo o artista ou artistas que com quem trabalham. E como infelizmente os números que as vendas de música representam cada vez são menores devido à pirataria digital (apesar de o tema "Levels" ter sido licenciado à Universal Music por 500.000 Euros!), a principal maneira de rentabilizar um artista destas características são os espectáculos ao vivo.
 

(...) o que vi foi uma pessoa muito jovem que de repente se encontrou com um tema que foi um êxito à escala mundial, com tudo o que isso representa.


A morte de Avicii, uma pessoa jovem, com um sucesso planetário e com tudo para ser feliz, perturbou-me e fez-me pesquisar mais sobre a pessoa e sobre os eventuais motivos do seu falecimento. Obviamente que já o conhecia, mas por a sua música ser totalmente oposta aos meus gostos musicais, nunca acompanhei muito de perto o seu trajecto como artista, apesar de conhecer obviamente os seus principais êxitos e de sentir que tinham bastante qualidade, dentro do seu estilo. Sabia que ele tinha deixado de fazer espectáculos ao vivo em 2016 por motivos de saúde, mas não sabia bem a história e o que tinha acontecido até chegar a esse ponto. Fui por isso ver o documentário "True Stories" sobre o seu percurso, desde o início, e o que vi foi uma pessoa muito jovem que de repente se encontrou com um tema que foi um êxito à escala mundial, com tudo o que isso representa. Vi também que parte de esse êxito se deveu ao seu "manager", Ash Pournouri, à sua gestão e ás suas negociações com as várias editoras interessadas em "Levels". O resultado foi um grande "hit" de tal forma que o nome Avicii foi projectado para a primeira linha dos DJs/Produtores de EDM, com pouco mais de 20 anos. 

O documentário "True Stories" saiu em 2016, pouco depois de Avicii ter decidido deixar de actuar ao vivo e de ter rescindido contrato com o seu "manager", e resultou de 300 terabytes de vídeo que o seu amigo Levan Tsikurishvili registou durante 4 anos. A maneira como o documentário narra a história, como regista as imagens de um Avicii deitado na cama a trabalhar no seu portátil depois de ter sido operado para lhe retirarem a vesícula e o apêndice, mostra bem a pressão que havia sobre si. Dois anos antes tinham-lhe diagnosticado uma pancreatite aguda, uma infecção crónica no pâncreas que normalmente é devida ao excesso de álcool e que provoca dores insuportáveis, e em que nos casos mais graves pode provocar taquicardia e ansiedade, o que obviamente só agrava o problema. No documentário pode ver-se como nessa fase Avicii teve que reduzir e limitar muito o que comia (a comida agrava o problema porque activa a formação dos sucos pancreáticos que neste caso provoca uma dor intensa) e emagreceu muito. Apesar disso é visível a pressão do seu "manager" para tomar os analgésicos (que para este nível de dor já se podem tornar aditivos) para fazer os muitíssimos espectáculos que tinham em agenda, porque nesta altura Avicii facturava a módica quantia de 17 milhões de dólares ao ano.
 
Ash Pournouri, o seu "manager" até 2016, descobriu Tim como produtor aos 18 anos quando era promotor de eventos em "Clubs" e estava a terminar o curso superior de advocacia. Vendo o seu talento e a sua rapidez em produzir temas decidiu agencia-lo e mostrar o seu trabalho aos melhores DJs e Produtores na altura, criando uma empresa para o efeito que, com todo o sucesso atingido por Avicii fez dele um milionário até 2016, ano que Tim deixou de ser representado por ele e tomou conta da sua agenda e também da sua vida. O que se pode ver no documentário "True Stories" é que Ash, sendo uma pessoa mais extrovertida e mais "agressiva" comercialmente do que Tim, levou o artista até ao limite físico com os inúmeros espectáculos, muitas vezes em dias consecutivos e a milhares de quilómetros de distância uns dos outros. Obviamente que Tim queria o sucesso, buscava o êxito que teve e que Ash o ajudou e muito nesse objectivo, mas não estava psicologicamente preparado para o peso que a dimensão desse êxito representava. Com uma personalidade introvertida que não gostava de ser o centro das atenções, é difícil imaginar o que teve que superar para subir a um palco e ter que actuar em frente de milhares de pessoas, ter que ter uma cara alegre e sorridente mesmo quando estava sobre o efeito de fortes analgésicos e com imensas dores. Mas era o centro da máquina que gerava milhões e de uma maneira ou doutra teve que o fazer, até atingir o seu limite físico.
 

(...) é difícil imaginar o que teve que superar para subir a um palco e ter que actuar em frente de milhares de pessoas, ter que ter uma cara alegre e sorridente mesmo quando estava sobre o efeito de fortes analgésicos e com imensas dores.


E isso leva-me ao motivo desta minha crónica, o outro lado da vida de um DJ. Há muita gente, especialmente as gerações mais novas que aspiram a ter uma carreira como DJ que provavelmente só veem a parte dos "braços no ar", a parte dos aplausos, das caras sorridentes na cabine onde tudo parece fantástico e maravilhoso. Obviamente que é fantástico vermos as caras felizes das pessoas que estão à nossa frente a dançar a música que estamos a passar! Mas há uma outra parte, uma outra cara da moeda que não é visível ao grande público. São as muitas horas que passamos em viagens, voos muitas vezes atrasados que nos fazem andar a correr no aeroporto, com poucas horas de sono (ás vezes de directa) e que provocam um grande desgaste físico. E mesmo assim, na noite seguinte temos que estar na cabine, com um sorriso na cara e de "braços no ar". Já sem falar na pressão que existe para que as nossas actuações sejam sempre boas, tenham impacto e que agradem ao público que temos à frente. Essa pressão existe sempre e é gerida de diferentes maneiras pelos diferentes artistas, mas também provoca desgaste, de uma maneira ou doutra.

É óbvio que somos pagos para essa função e em alguns casos muito bem pagos. Mas também é verdade que o dinheiro não serve de nada quando atinges um limite físico como infelizmente atingiu Tim Bergling e que o levou, como indicam as últimas noticias, ao suicídio. É um exemplo extremo de como uma actividade vista por muitos como uma coisa fantástica e maravilhosa (que também é) mas que tem uma parte não visível ao grande público que é extremamente desgastante.

Aconselho por isso a todos os que aspiram a ser DJs a verem o documentário "Avicii: True Stories" para verem o outro lado da vida aspiram a ter. É óbvio que nem todos vão ter um calendário "louco" com o de Avicii, com actuações quase todos os dias (situação que numa fase da sua carreira chegou a acontecer) mas se quiserem mesmo levar a sério uma carreira como DJs (e produtores) e caso tenham sucesso, vão querer fazer mais e mais "gigs". Embora isso ao princípio seja fantástico, quer pelo dinheiro que entra, quer pelo reconhecimento que representa, a medio-longo prazo, se não tiverem cuidado, o preço a pagar pode ser muito alto. Demasiado alto no caso de Tim Bergling. Que descanse em paz.
 
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
quarta, 01 agosto 2012 21:15

A moda de ser DJ

 
Assunto proibido para um suspeito Ser como eu, e por si só ainda mais aliciante de abordar. Esmiuçar, rapinando a expressão aos Gatos, ou desenvolvendo melhor o tema: esmigalhar, esboroar, retalhar, desmantelar, esquartejar ou pura e simplesmente… Opinar. O famoso e perigoso tema tem como título “A Moda de Ser DJ” (e reparem nas letras maiúsculas que aqui não foram arrumadas ao acaso) e fala de todos aqueles atores, apresentadores, modelos e afins que acodem a sua vida profissional já pouco dada a ovações… virando DJ e trocando a bancada, o palco, a mesa ou a passerelle… pela cabine da discoteca. Portanto… de alguém como… a minha pessoa.

Quando se tem exposição pública, com ela acarreta-se não só a fama, as entradas à pala, os patrocínios, as festas exclusivas, os olhares derretidos e os espécimes do sexo oposto a dar graxa até mais não, mas também os olhares desconfiados, as invejas, as bruxarias e os maus-olhados dos malogrados “wannabe’s”, o descrédito dos pseudo-intelectuais e principalmente – e aqui entra o nosso tema – as desconfianças dos “velhos do Restelo”, sim, aqueles para quem tudo o que é discrepante das suas crenças de sempre, lhes cheira a esturro. E pronto. Assim chegamos ao fulcro da questão. Porque raio é que uma pessoa não pode mudar de profissão ou até acrescentar outra às competências já adquiridas e mesmo assim poder, conseguir e ser bom profissional? Ser comunicador e bom comunicador é isso mesmo, ensaiar a vida que ela é para isso mesmo, chegar ao público, com a Palavra, com o Gesto ou neste caso com a Música… e mais, importantíssimo: com a energia de um Palco – que muitos DJs “de origem” se esquecem de utilizar mesmo quando tecnicamente excelentes.

A questão é esta: E se por acaso, por uma qualquer vicissitude da vida, te aperceberes que tens jeito para mais do que uma coisa? E por acaso já és conhecido a essa altura do campeonato… Ai!! O medo, o terror!! O que fazer num país em que ao invés de te olharem como talentoso, te tentam cortar as pernas a cada passo pioneiro que dás?? Desistir? No Way. E que venham os desafios que eles existem é para ser superados. E que venha a Música a acompanha-los que em toda a boa Vida que se preze uma boa banda sonora é requerida.
 

"Não posso falar pelos outros - 5 ou 6 ou 7, 8 ou 9... - que têm aparecido a ocupar com mais ou menos mérito as cabines dos clubes, bares e discotecas do nosso país. Como em todas as profissões, há bons e maus, há sérios e charlatães, há mestria e há incompetência."

 
Não posso falar pelos outros – 5 ou 6 ou 7, 8 ou 9… - que têm aparecido a ocupar com mais ou menos mérito as cabines dos clubes, bares e discotecas do nosso país. Como em todas as profissões, há bons e maus, há sérios e charlatães, há mestria e há incompetência. Mas por mim falo, ou neste caso, tratando de Música, o nosso tema, por mim, misturo os sons do vocábulo que sem palavras povoa actualmente a minha Vida e confesso em tom de alegação final, respirar melodia, trabalhar batidas, aprender sôfrega produção e novas técnicas e tecnologias, desembolsar muito do que recebo nos “milionários” cachês em música, material, software e cursos. Ah, além de semanalmente fazer do público - que vou por aí alegremente descobrindo  nas esquinas do nosso país - cúmplice destas minhas descobertas constantes que considero mais constatações do que indagações. Sentir os sorrisos no ar, enquanto exerço as minhas escolhas musicais, criar emoções, servir de tom ao primeiro beijo ou apaziguar uma discussão com o volume dos decibéis, fazer a festa onde quer que passe! Sonhar com os temas novos que comprei no dia anterior e sentir que cada noite que passa, os meus dedos acompanham cada vez mais os meus pensamentos e sabem exatamente o efeito a fazer, o timming da mistura, descobrem a tempo a “a capela” perfeita que os faz cantar comigo. Digam-me, se isto não é ser DJ, o que é afinal?

E brilhar… sim, brilhar como só um DJ iluminado consegue fazer quando acerta no set perfeito e encontra assim a noite exemplar. Talvez aí possa concordar que os apresentadores, actores modelos e afins, que tanto são criticados, gostam efetivamente de brilhar, porque assim cresceram na sua profissão “de base”, se assim lhe quisermos chamar. Mal – ou bem – habituados, a verdade é que a profissão de DJ acaba por lhes afagar o ego e lhes oferecer o seu público, as suas palmas, os seus créditos, por lhes dar o fogo que gostam de ver a arder. Tudo o que precisam, para se sentirem como se tivessem bebido um batido energético, revigorados e entusiastas. E… que mal há nisso? Ser criador, comunicador, artista, é isso mesmo. E é tão bom. Porquê ter vergonha?

Enfim, toda esta conversa para que entendam, que por vezes, para nós “os tais”, os “meninos bonitos e conhecidos”, vingar nesta profissão, pode até ser mais difícil do que para os outros. Vingar à palavra, não aparecer, porque aí, já a estória é outra e exista quem o faça ou não, é algo que nem me apraz comentar. Para os capazes e verdadeiros, talvez se possa assegurar já um palco montado à nossa espera, sem o esforço de o alcançar já que ele já nos recebe há anos e já nos aguarda de uma forma familiar. Mas, por outro lado os focos nunca apagam, não saem um minuto de cima, a exigência é muito maior e o tombo, que tanto torcem para que dêmos, a acontecer… É sempre muito maior porque até aí há espetadores. E o tema vira sempre nacional e não só conversa na coletividade ou na rua dos amigos.
 

"[...] Sonhar com os temas novos que comprei no dia anterior e sentir que cada noite que passa, os meus dedos acompanham cada vez mais os meus pensamentos e sabem exatamente o efeito a fazer, o timming da mistura, descobrem a tempo a "a capela" perfeita que os faz cantar comigo. Digam-me, se isto não é ser DJ, o que é afinal?"

 
Toda esta conversa para vos dizer que para os 3, 4, 5 ou 6 DJs - figuras públicas (os sérios, que dos outros, em breve não rezará a história) que querem um público, não de moucos mas sim uma audiência com bom gosto, uma mão cheia de groovy party people e uma série de críticos do seu lado… a vida não é de todo assim tão facilitada como tantos gostam de apregoar. E o maior gozo que podemos ter é, quando no final de um gig, numa qualquer noite de inspiração, um daqueles DJs “à séria”, um senhor, um profissional com anos de carreira e sabedoria, perícia e experiência, vem ter connosco e diz: “Miúda. Parabéns! ATÉ te estás a sair bem!” E aí… mesmo com um ATÉ à mistura, a força volta a estar contigo e que se lixem os que à partida já têm um dedo apontado e uns tampões nos ouvidos… só porque és a Rita da televisão.

Se ser DJ virou moda? Moda vira o que é bom, o que sabe bem e dá vontade de imitar. E asseguro-vos que ser DJ é efetivamente Fenomenal!!

E assim destes pequenos grandes nadas se faz a Lei da Vida :).

Turn on the music!
 
Rita Mendes
Publicado em Rita Mendes
segunda, 01 novembro 2021 18:52

«Das duas, três»

Quando tudo parece ter regressado à dita normalidade, as notícias de um eventual regresso aos confinamentos surgem a pesar, mais uma vez, sobre a cultura, mais precisamente sobre o entretenimento, e discotecas, eventos e festivais parecem ser os primeiros da lista.
 
Ou as vacinas demonstram que dão realmente uma proteção elevada para defender os vacinados (e salvaguardar o próprio sistema de saúde), ou seremos obrigados a montar uma operação “Gouveia de Melo, ato 2”. Ou, numa terceira hipótese, encerramos tudo de novo - ou seja: das duas, três!
 
A cultura já foi interditada por motivos políticos (tempos da União Soviética), por motivos religiosos (regime talibã) e agora por motivos sanitários (pandemia da COVID-19).
 
Pois bem, para DJs e produtores de música eletrónica qual é a perspetiva? Para muitos as economias já são escassas, os recursos e as ajudas deixaram de existir - que farão face a uma nova paragem? Terão muitos deles a obrigação de se reinventar ou de mudar de profissão e deixar de fazer o que os apaixona, ou bastará aguardar que se reponham ajudas e esperar que tudo reabra? Mas, na realidade, será que voltarão a ser recordados e amados como em 2019? Será que esta geração de artistas propulsionados pela internet e os seus algoritmos de interação possa tão depressa desaparecer para dar lugar a novas caras? Resumindo: aguardar, mudar de estilo ou, como terceira hipótese, mudar de atividade?
 
E para os profissionais do entretenimento, será que o verão de 2022 vai ser igual aos de 2020 e 2021? Se assim for, interrogo-me sobre o nosso futuro, porque além da questão financeira, fica a sensação de que esta passou a ser uma profissão sem futuro, onde tudo fica remetido a esparsas oportunidades de espetáculos à margem do essencial das nossas vidas. Seremos os empestados que só sobreviverão na marginalidade da lei sanitária em vigor. Das duas, três: esperar que tudo se mantenha como está, candidatar-se a esmola do Estado ou mudar de atividade.
 
É muito importante que os nossos dirigentes entendam que a cultura não pode ser MAIS UMA VEZ encerrada, colocando numa situação desastrosa milhares, milhões, de famílias pelo mundo e decretando o fim de uma atividade essencial para o bem-estar e equilíbrio das nossas sociedades.
 
José Manso
Publicado em José Manso
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