Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
sexta, 17 junho 2022 09:58

Circle Of Life

Longe de mim pensar que após uma longa pandemia, que forçosamente parou a minha atividade, iria prolongar a já bastante e sofrida "pausa".
E assim foi, estávamos no início do segundo trimestre de 2021 quando tive a melhor notícia da minha vida, não que ia retomar a atividade (algo que muito ansiava), mas sim que ia ser mãe. Algo que confesso, até muito recentemente não estava nos planos, mas como tenho referido, foi das coisas boas que a pandemia trouxe!

Óbvio que tive que atrasar os planos do regresso, numa altura em que as notícias da abertura dos espaços noturnos e eventos começavam a surgir. Foi um reformular automático e muito natural e o foco principal ficou naturalmente na maternidade.

Do "brainstorm" para o regresso surgiu a temática "Circle Of Life", ou seja o Círculo da Vida. Foi um tema que surgiu de forma muito espontânea e a meu ver não podia ter sido melhor. Consegui fazer um tipo de fusão com o facto de ser mãe e a tour de regresso, que de seguida preparamos. Posso dizer que juntei o melhor dos dois mundos e de certa forma, fazer também, uma referência ao que de melhor a vida tem.

Muito naturalmente também foi todo o processo que se seguiu, onde passei muito tempo em estúdio, dando origem a temas lançados recentemente como "Safemoon", "Indication", "Where We Are", "Elevate" remix e outras mais que vão sair durante este ano, posso adiantar em primeira mão que uma irá-se intitular "Circle Of Life"!

Depois da temática surgiu o passo seguinte, projetar a "Circle Of Life" Tour, que vai ter lugar até ao final do presente ano (2022), e vai passar por alguns dos meus clubs e eventos preferidos.

E para o arranque, nada melhor que um dos clubs mais épicos, "antigos" e respeitados de Portugal, a Pedra do Couto. O evento teve lugar no passado sábado 7 de maio e foi fantástico! Adorei e foi sem dúvida muito bom estar finalmente de regresso a fazer o que mais gosto e rodeada de toda a energia positiva que se sentiu nessa noite.

Posteriormente, vou passar por todo o território nacional e ilhas, assim como os Estados Unidos da América, Luxemburgo e Suíça já confirmados também. Com esta tour pretendo assinalar o ano mais importante da minha vida a nível pessoal em paralelo com a minha carreira como artista.

Posto isto, posso dizer que estou a viver uma experiência tão boa que nunca pensei que fosse possível sentir algo tão forte. É sem dúvida muito gratificante sentir todo o apoio que tenho recebido nesta fase, sentir um amor inexplicável e regressar às cabines e ver ainda mais carinho à minha volta! 

Estou de regresso e preparada para espalhar toda esta boa "vibe" contagiante a todos os que me acompanharem!

A vida é feita de ciclos, cabe-nos fazer deles o melhor possível.
 
Publicado em Miss Sheila
sexta, 11 outubro 2019 22:20

O lado B do Hiphop

Hoje em dia quando falamos de Hiphop, de uma maneira geral, referimo-nos ao género musical composto pelo DJ/produtor e o MC (Mestre de Cerimónia), ou cantor. Mas se voltarmos ao início, ao nascimento deste estilo musical, a realidade é que não estamos a falar de Hiphop, mas sim de RAP (Rhythm and Poetry ou Ritmo e Poesia). 
Quando se fala em Hiphop nos seus primórdios, em meados dos anos 80, estamos a falar de todos os elementos que compõem uma cultura. Ou seja, a maneira especifica de vestir, a maneira de comunicar, as diferentes formas de expressão artística, tais como o Graffiti e o "Writing", o Breakdancing (B-boys e B-girls) e também o DJ e MC.

Ou seja, quando falamos do Hiphop, na sua forma mais genuína, estamos a falar de uma forma de viver a vida. E não apenas de um estilo musical. 

Com o passar do tempo, o RAP foi ganhando terreno no seu percurso, chegando a atingir um patamar mais "mainstream" e mais aceite pelo público em geral. Por consequência, indirecta ou não, o RAP acabou por influenciar diversos estilos musicais, principalmente a música POP que ouvimos hoje. Daí ouvirmos falar em Hiphop como género musical, quando na realidade a definição "correcta" será RAP. No entanto, continua a ser um tema bastante debatido, e algo controverso, porque não deixa de ser um estilo que abrange inúmeras influências musicais e culturas diferentes.

Como DJ à 18 anos, gostava de transmitir uma mensagem a todos os iniciantes a esta arte de Djing: Este estilo musical é o mais difícil de se tocar, e o mais difícil de começar a treinar, mas também é dos mais ilimitados, porque quem sabe tocar Hiphop, sabe tocar tudo.

A dificuldade de dominar este estilo dá-se a diversos factores, sendo um deles a grande presença vocal em cada faixa. Obviamente, quando estamos a misturar duas músicas, não queremos duas vozes a atropelarem-se uma à outra, criando uma confusão vocal tal que até os menos entendidos na matéria se apercebem que algo de muito errado está acontecer na pista de dança.
Logo aí temos um grande obstáculo para ultrapassar visto que, ao contrário da música eletrónica, não temos versões com introduções mais longas ou "amigas" do DJ que nos facilitam bastante as misturas. No Hiphop temos de usar outras maneiras de introduzir as músicas, fazendo-as soar o melhor possível e sem atropelamentos. 
 
Este estilo musical é o mais difícil de se tocar, e o mais difícil de começar a treinar, mas também é dos mais ilimitados, porque quem sabe tocar Hiphop, sabe tocar tudo.

Este é um dos factores que torna este género de música tão desafiante. Exige mais horas de treino e muito mais "trabalho de casa", obrigando o DJ a tornar-se num profissional com muito mais "bagagem", conhecimento e experiência. Com todo este trabalho, depois de horas infindáveis de treinos intensivos, não há nada melhor do que pôr tudo isto em prática e usar todos os conhecimentos adquiridos para rebentar as pistas em nome próprio. 


No entanto, existe uma vertente igualmente gratificante, e muito importante, que é pouco falada na indústria: acompanhar artistas nas suas digressões. No hiphop (ou no RAP), os DJs são um elemento essencial, e geralmente ignorado, para o sucesso do estilo musical. 

Isto pode acontecer de diversas maneiras, o DJ tanto pode fazer parte da banda do cantor, como pode adicionar arranjos musicais únicos, acrescentar as suas competências de Turntablism/Scratch ou mesmo pisar o palco ao lado do artista e acompanhá-lo, disparando as suas "backing tracks", substituindo uma banda. 

Esta vertente do Djing apesar de pouco falada, eleva o papel da profissão e mostra a sua versatilidade, pois existem inúmeras vantagens em partilhar um palco com um DJ. Uma delas, e uma das mais importantes para mim, é a possibilidade de fazer um curto DJ set para aquecer o público antes do artista entrar em palco.

E claro, quanto melhor e mais bem preparado estiver o DJ para entrar em palcos, que podem parecer enormes quando se entra sozinho, e causar o impacto necessário para fazer a diferença no espectáculo, melhor a probabilidade de o público estar mais receptivo  a receber calorosamente o artista, o que vai fazer toda a diferença no show. 

Podem não dar valor a um que DJ que não faz mais nada para além de disparar músicas do cantor X e há até quem pense que qualquer pessoa sem conhecimento de Djing o consegue fazer, mas eu não gosto de menosprezar essa vertente. A verdade é que quanto melhor e mais experiente é o DJ que assume esse papel, mais facilmente se minimiza a probabilidade de falhas, técnicas ou não, que por vezes estão fora do controlo do artista, e de toda a sua equipa. Mesmo que passem despercebidas e sejam identificadas e ajustadas rapidamente pelo DJ, antes do público se aperceber da situação. 
 
A verdade é que quanto melhor e mais experiente é o DJ que assume esse papel, mais facilmente se minimiza a probabilidade de falhas, técnicas ou não, que por vezes estão fora do controlo do artista, e de toda a sua equipa.

Outro factor que gosto de referenciar é a cumplicidade na comunicação entre o artista e o DJ. Esta ligação é muito importante para que o espectáculo corra bem e sem falhas, e que se vai adquirindo com tempo e experiência. Por exemplo, se um cantor quiser alterar alguma faixa no alinhamento, se necessitar de uma entrada ou saída mais rápida, ou de uma música fora do alinhamento, muitas vezes nem necessita de falar com o DJ, ele apercebe-se da situação e faz acontecer o mais breve possível. Isto só acontece se tivermos alguém a preencher correctamente esse papel em cima do palco. 


Por fim, o último factor que considero muito importante referir, é a capacidade técnica do DJ como músico, ou seja, a capacidade de adicionar elementos e arranjos musicais orgânicos de forma a colorir e melhorar o espectáculo do artista. Isto pode surgir através das suas capacidades de Scratch/Turntablism, ou também, pela sua formação e estudos de música, adicionando instrumentos ou efeitos que complementam as faixas originais. 

Outra mais valia que merece ser referida, é a sua capacidade vocal. Esta ferramenta é das mais importantes, pois o facto de conseguir estar "à vontade" para comunicar e entusiasmar o público, ou mesmo para cantar, e duplicar as vozes do cantor (backvocals) é uma técnica que pode causar mais impacto do que o vosso melhor "disco". 

Ao longo da história do Djing podemos encontrar inúmeros exemplos de DJs que não só faziam parte de bandas, como em algumas delas eram consideradas o elemento principal. 
Temos o exemplo do pioneiro DJ GrandMixer DXT, que fazia parte da banda do gigante do Jazz / Funk, o Herbie Hancock, como temos bandas internacionais e nacionais de diversos estilos de música com DJs na sua formação, como: Sublime, Incubus, Limp Bizkit, Slipknot, Linkin Park, Beastie Boys, Portishead, Keys n Krates, Da Weasel, Buraka Som Sistema, Boss A.C., Supa Squad, entre outras.
 
DJ Nokin / Professor do Curso de DJ da AIMEC Portugal 
Publicado em Nokin
sexta, 08 novembro 2019 18:27

O Tio estava lá

Lembro-me perfeitamente da 1a vez que entrei no Kremlin, devia ter praí uns 15 anos ou seja foi há cerca de 30, e só lá entrei porque o meu Pai conhecia o responsável pela contabilidade do espaço, informação que quando chegou ao meu conhecimento me fez iniciar uma pressão gigante sobre o meu progenitor até conseguir que ele ligasse para o seu amigo de modo a meter-me lá dentro.

Eu já tinha ouvido falar do Kremlin, os relatos das suas noites estavam espalhados nas páginas de alguns jornais que me entravam em casa nessa altura, como o Independente e o Expresso, mais uma vez pelas mãos do meu Pai, portanto a minha curiosidade era muita. Não era a primeira vez que eu entrava numa discoteca, eu pertenço a uma geração nascida nos anos 70 que cresceu num ambiente onde era normal levar os filhos à "boite", lembro-me de ser bastante novo e dançar em discotecas, bares e festas particulares onde pais e filhos partilhavam a pista de dança, mas o Kremlin era um espaço diferente desses, sobretudo pela música que passava.

Foi ali que ouvi pela primeira vez House e Techno, estilos carinhosamente apelidado de "Música às bolinhas" mas que incendiavam a pista de dança de uma maneira que o Rock não fazia, com mais êxtase e sensualidade, mal sabia eu que ali nas Escadinhas da Praia estava a assistir ao início de uma revolução na noite em Portugal, pouco tempo depois abriu o Alcântara-Mar, onde eu também só entrava devido aos conhecimentos do meu Pai e aí então a coisa explodiu, os relatos das festas que ali se passavam espalhavam-se não só pela cidade e arredores mas por todo o país e de um momento para o outro, ali no inicio dos anos 90, uma geração de DJs e produtores de eventos tratou de implantar uma cultura que já há alguns anos se tinha implantado na Europa e Estados Unidos.

Nomes como Tó Pereira, Luís Leite, XL Garcia, Jiggy, Tó Ricciardi, Mário Roque, António Cunha, Beto Perino, Chumbinho, entre tantos outros foram a vanguarda que levou os novos sons e conceitos de festa aos 4 cantos do país fosse em discotecas ou raves, fosse em armazéns ou em Castelos, a primeira vaga da música de dança em Portugal foi gigantesca e quem a viveu guarda-a na memória como algo excitante, mágico e de certa forma irrepetível. 

Hoje em dia a cultura da música de dança é muitas vezes o Mainstream, e nada de mal há nisso, cada vez mais são os artistas de música de dança que têm o maior destaque em festivais, festas e até arraiais. A paisagem sonora mudou muito e eu fui um dos privilegiados que assistiram à génese dessa mudança, graças ao meu Pai que muitas portas ao longo da vida abriu para mim. Hoje em dia, e por um acaso do destino, sou eu por vezes a atração em alguns destes espaços onde se dança em Portugal, também isso agradeço ao meu Pai que, tal como eu, adorava dançar e esse gene que me passou é sem dúvida uma das coisas mais importantes para o meu bem-estar nos dias que correm. Obrigado Pai, onde quer que estejas, o Sal Grosso que vou espalhando também é teu.
 
Jel
Publicado em Jel
segunda, 02 maio 2022 22:05

Tudo na mesma

Depois de dois anos de pandemia que forçou a uma paragem da actividade do entretenimento nocturno e eventos, o regresso veio trazer o que já se esperava - ficou tudo na mesma. 

Apesar dos esforços de inúmeras pessoas, onde associações foram criadas com investimento pessoal, numa tentativa de municiar os DJs das ferramentas necessárias para o seu reconhecimento profissional, as dificuldades foram encontradas dentro da própria "comunidade DJ". 

Rapidamente foram esquecidas as "queixas" de falta de apoios sociais, a inexistência de "voz" junto das entidades competentes, o reconhecimento da profissão e o auxílio para todos aqueles que iniciam ou que já exercem mas não têm o conhecimento de situações em que verbas que são suas por direito ficam nas mãos de terceiros.  

A desconfiança natural por parte da maioria dos DJs é justificada com o passado, onde várias associações foram criadas com intuitos poucos claros ou onde visavam o lucro, mas nem com o aparecimento de associações sem fins lucrativos, onde os associados não pagavam quotização, com estatutos claros e onde todos os associados tinham direito de apresentar candidatura aos orgãos sociais, tiveram uma recepção por parte desta comunidade para poderem oferecer o que os DJs tanto "reclamam" mas que pelos vistos não pretendem ter...

Foi uma oportunidade perdida e basta olhar para o modelo Holandês para perceber que há (havia) uma oportunidade única que podia levar à internacionalização do produto português e internamente munir os DJs de ferramentas que permitisse darem passos em frente nas suas carreiras.

Ao invés disso, agências e agentes (como eu) passaram a canalizar os seus esforços para outras áreas dentro da música, eventos e entretenimento e dezenas (para não dizer centenas) de DJs e produtores de música electrónica vão ficar pelo caminho ou com maiores dificuldades, havendo mesmo um decréscimo acentuado na contratação para eventos não especificados onde os DJs tinham o seu espaço e que foi ocupado por outro tipo de artistas e estilos musicais. 

Não há culpados (cada um é livre de fazer o que entender) mas há responsáveis e essa responsabilidade não precisa de ser assumida mas está imputada a quem deixou ficar "tudo na mesma". 
 
Ricardo Silva
Agente Artístico e Empresário
Publicado em Ricardo Silva
As Crónicas de Opinião assumem desde 2012, uma posição de grande destaque no Portal 100% DJ, graças aos rostos convidados com presença não só na nightlife como também na música eletrónica. 
 
Não querendo fugir ao compromisso de oferecer qualidade ímpar aos nossos leitores, este ano a aposta foi ainda mais robusta e exigente no que diz respeito ao novo painel mensal de cronistas que prontamente aceitaram o nosso convite - motivo de grande orgulho e satisfação para nós.
 
A grelha de 2015 irá contar com o regresso das assinaturas de Ricardo Silva, responsável pela D-World Management, da DJ e comunicadora nata Mariana Couto e da Brand Manager da Agência WDB, Sónia Silvestre - que no seu último artigo (dezembro) abordou o sucesso holandês, que já não passa despercebido a qualquer um.
 
Uma das novidades para este ano nas lides da escrita de opinião é a estreia de Nelson Cunha, Diretor de Programação da Mega Hits, rádio que nos últimos anos tem vindo a vincular a sua forte aposta na música eletrónica em várias vertentes. Hugo Rizzo, DJ e produtor, que no ano passado colaborava com artigos de diferentes temáticas, terá agora o seu espaço de opinião também neste painel.
 
Carlos Manaça, um dos mais reconhecidos DJs a nível nacional, é outra das novas caras que aceitou este desafio e irá presentear os seus seguidores e os leitores do Portal 100% DJ com as suas palavras.
 
Em baixo poderás conferir todas as crónicas escritas o ano passado por Rita Mendes, Massivedrum, Eddie Ferrer, Ricardo Silva, Mariana Couto, Sónia Silvestre e DJ Rusty.
 
 
Publicado em 100% DJ
sexta, 23 outubro 2020 21:31

A Conexão que falta

Faz precisamente meio ano (6 meses) desde que redigi a minha última crónica, infelizmente pouco do que desejamos mudou! Mas desta vez não vou escrever acerca disso, mas sim relatar um pouco e registar a minha opinião sobre o que tem vindo a acontecer.

Enquanto o calor do Verão já lá vai e com ele os bons números que estávamos a registar relativamente ao novo vírus, a vontade de regressar e estar junto do público é cada vez maior, tanto para mim, como para todos os que sentem saudade de uma boa dose de conivência social sem qualquer tipo de restrições.

Durante este tempo tenho vindo a trabalhar no estúdio, onde preparo os meus novos e próximos releases assim como os da minha editora "Digital Waves", ou gravo os meus programas de rádio. Tenho feito também alguns "live streams" com alguns parceiros de forma a manter a proximidade com o meu público e continuar a mostrar toda a música nova que recebo e compro, mas, claro, de uma forma mais responsável a que me sinto obrigada.
 
No dia 15 de Agosto fiz o "Eco Stream", com as redes sociais a transbordar sessões em direto, e a questão dos direitos de autor bloquearem as transmissões. Senti que era momento para fazer uma pausa com estas ações. Reuni a maioria dos meus parceiros a nível mundial (foram mais de 50!) e fiz algo ainda mais especial. Foram duas horas de set, onde preparei um pouco das sonoridades com que mais me identifico de forma apresentar uma viagem musical coerente, transmitida através de um dos meus locais de eleição para relaxar perto de minha casa, o "Parque Ambiental do Buçaquinho". Foi fantástico estar em contacto com a natureza com a minha música e o resultado final foi fantástico.
 

Não existe a conexão, a sinergia, a emoção de estar frente a frente e em perfeita sintonia a cada beat que passa.


Tudo isto é bonito e adoro, mas falta o mais importante, o meu público! E por mais que possam dizer que é alguma coisa, sim é, mas não o sinto da mesma forma. Não existe a conexão, a sinergia, a emoção de estar frente a frente e em perfeita sintonia a cada beat que passa.

E isto leva-me a outra questão. A questão de não ter feito nenhum evento (com as devidas restrições e cuidados claro) desde que a pandemia se instalou. 

Tive a possibilidade de fazer vários eventos, devidamente preparados e atendendo às demais directrizes que já todos sabemos e são desnecessárias de enunciar. Mas decidi não fazer para já. Preciso de sentir o que já referi e acima de tudo reside em mim uma enorme responsabilidade e necessidade em ver esta questão resolvida, o mais breve possível. Só aí fará realmente sentido.
 
Para ir de encontro à essência da questão e na minha opinião apenas, vejo muitas coisas a acontecer, umas bem feitas e com consciência dos riscos e da conjuntura atual, outras nem por isso. E aí reside a questão em jeito de interrogação retórica, "vale a pena?."

Tenho que deixar claro que existem muitos a fazê-lo com cuidado e por necessidade, aí sou totalmente a favor. De resto, acho que algumas prioridades devem ser revistas. Vamos ter muito tempo para festejar e estarmos todos juntos, e vai saber muito bem, mas primeiro tem que haver real consciência do que se passa e agir em conformidade com isso. É imprescindível manter uma mente positiva e continuar com as demais ações de forma a manter a cultura bem viva e a "chama" com o público bem acesa.

Por outro lado a questão do Estado e os apoios às entidades nesta fase são imprescindíveis e não podem de forma alguma ser descorados...  As medidas de apoio (para as salas de espetáculo, clubs, promotores, artistas, staff, todo o sector de animação noturna, etc.) para todo este "mundo" referente à cultura electrónica devem ser urgentemente revistas e executadas de uma forma sólida e permanente. Contamos com muito pouco e é impossível qualquer tipo de instituição resistir a meio ano sem faturação, desta forma, as falências serão inevitáveis e um grave problema sem solução será instalado.

As entidades governamentais têm que assumir uma posição especifica para todas estas actividades de animação, se assumem que não há condições sanitárias para o funcionamento, têm de compensar e assegurar que este sector que tanto contribui para a cultura e turismo não passa por mais dificuldades que as que já tem vindo a suportar.
 
Como refere José Ortega "A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo do homem."
 

Temos muitos bons artistas em Portugal, de fazer inveja ao resto do mundo e refiro isto em todas as vertentes da electrónica. Agora, mais do que nunca, faz sentido dar prioridade ao produto nacional.


Na minha opinião também, a forma como vamos retomar deve ser cuidadosamente pensada e não feita por impulso. Temos oportunidade de mudar algumas coisas que estavam menos bem no nosso sector, foi-nos dada esta oportunidade, não a podemos deitar a perder.

Deixo também a minha sugestão a todos os promotores, proprietários de clubs, etc.. Temos muitos bons artistas em Portugal, de fazer inveja ao resto do mundo e refiro isto em todas as vertentes da electrónica. Agora, mais do que nunca, faz sentido dar prioridade ao produto nacional.

Existe também a possibilidade de mudar a mentalidade da noite ter que começar tão tarde, podemos recuar todos um pouco os horários e fazer as coisas com mais coerência, mas isso exige uma grande sinergia que obviamente depende de todos.

Até breve, numa cabine, bem perto de vocês.
 
Publicado em Miss Sheila
quinta, 28 março 2019 21:30

A Indústria e a Integridade Criativa

Os termos Artista e Criação podem ser muito relativos se tivermos em linha de conta todas as necessidades de uma Indústria absolutamente focada na massificação e na componente financeira em detrimento da liberdade artística. Até onde a nossa liberdade criativa se pode sobrepor à realidade quando temos que ter em linha de conta que nada mais do que uma simples opinião muitas vezes pode ser escrutinada até à exaustão, muitas vezes por pseudo-críticos que percebem tanto da nossa Arte de fazer música como eu percebo de cirurgias cardíacas. Infelizmente sou obrigado a chegar à conclusão que como Artistas a nossa liberdade criativa vai até onde a Indústria precisa, é ela que dita as regras, as necessidades e as tendências. 

Posto isto, pergunto eu de uma forma muito directa, o que percebe a Indústria de criatividade, sensibilidade ou originalidade? Serei obrigado a dizer absolutamente nada. Há muitos anos os Artistas ditavam as tendências com a sua criatividade, livre de segundas intenções e absolutamente pura do ponto de vista dos resultados. Não havia redes sociais, não havia estudos de mercado, ou se gostava ou não. Paralelamente a esta maneira de colocar a Arte, temos hoje em dia uma realidade onde o Criativo é literalmente encostado à parede. Alguém acha que o mercado precisa disto, existe um nicho para determinado tipo de "produto" e é isso que se procura. E quem quer fazer uma carreira guia-se pelas directrizes impostas. Torna-se absolutamente banal um qualquer compositor afirmar que tem a fórmula mágica, fórmula essa que lhe foi demonstrada por uma realidade comum e que poderá ou não ser seguida, correndo nós o risco de sermos considerados "infiéis" se optarmos por fugir ao rebanho e apresentamos algo que seja considerado fora do padrão porque todos nos devemos reger. 

É evidente que existem sempre fugas à tirania industrial, o que graças às mesmas redes sociais, que tanto aniquilam os verdadeiros criativos, curiosamente acabam por ajudar a furar a hierarquização implementada, fazendo com que mesmo sem termos os padrões ditos consensuais conseguimos chegar ao "paraíso". É evidente que dada a globalização das artes, os diferentes serão sempre meros influenciadores de minorias, se bem que por vezes uma minoria pode dar lugar a um culto que nenhuma máquina industrial oleada ou organizada consegue combater. Ao longo dos anos temos tido os mais variados exemplos de "rebeldes" que acabaram por encostar às cordas a promiscuidade negocial de um mercado absolutamente agarrado a um pagamento de favores e troca de identidades por desvios mais fáceis para os objectivos pretendidos, ganhando respeito das entidades ditas especialistas, não de uma forma natural mas porque também estas perceberam que a equação não tem que ser exata. O que seria de nós se um dia alguém tivesse chegado perto dos Beatles e lhes tivesse dito que estavam errados na sua visão, porque comercialmente não iria resultar? 

E como estes teria centenas de exemplos para vos dar, nos mais variados sectores da Arte. A personalidade Artística acaba por ser o nosso único trunfo perante uma realidade em absoluta decadência e tentativa de monopolização da criação, o que me parece absolutamente desprovido de qualquer sentido de lógica. Quem cria deve ser livre física e espiritualmente para conseguir transportar de dentro de si cá para fora uma forma de comunicação que cada um de nós, como seres humanos, temos para oferecer de uma maneira muito singular. Cada um de nós é especial, seja a pintar um quadro, a escrever um poema ou a compor uma música. Hoje em dia tudo gira à volta da imagem, de quem tem mais seguidores, quem influencia mais, quem choca mais. Na minha opinião, a liberdade criativa é o maior dom que nos foi conferido e se alguém nos está a tentar retirar isso, devemos cerrar os punhos e lutar com todas as nossas forças para que jamais esse objectivo seja alcançado. 

Como Artista sou muito pouco flexível naquilo que é a minha identidade criativa, admito. Tenho a perfeita noção que pago a minha fatura por isso, mas tenho a certeza que estou a contribuir para a defesa de todos aqueles que no futuro sejam também essencialmente focados na criação e no transmitir vibrações e sensações únicas uns para os outros, que no final das contas é a principal função de quem tem a responsabilidade e o dom de poder oferecer algo para a posteridade. O importante não é o agora, mas sim o que deixamos para o futuro. A presunção de pensarmos que somos os mais importantes só porque estamos no nosso tempo acaba por ser actualmente o maior pecado da sociedade criativa em geral.
 
Carlos Vargas
Publicado em Carlos Vargas
quarta, 27 julho 2022 22:34

O funk da nova geração

Finalmente podemos fazer dançar, sem quaisquer limitações, todos aqueles que foram impedidos de o fazer durante dois anos! Confesso que já tinha muitas saudades, e pelo que sinto nos meus eventos e vejo nas redes sociais, o público também.

Os festivais estão cheios, os eventos locais estão cheios, há uma dinâmica enorme, milhares de pessoas na rua, todos os fins-de-semana. Ainda bem!

Há sem dúvida uma grande "fome" de música. As pessoas vieram para a rua, festejar, dançar, depois de dois anos em que isso não foi possível.

No entanto, estes dois anos de paragem alteraram as dinâmicas do "sair à noite" (ou à tarde). Sinto, pelo que vejo, que houve uma faixa de público que depois destes dois anos de paragem deixou de sair, enquanto uma nova geração apareceu "de repente". 

Isso está a provocar algumas alterações no funcionamento de alguns locais "clássicos" e a favorecer o aparecimento de novos espaços, direccionados para a nova geração que começou a sair agora.

E o que ouve (na sua maior parte) a nova geração que começou a sair agora? Pelo que vejo em muitos cartazes, a música brasileira, o chamado "funk brasileiro", domina os gostos da maior parte dos mais novos. 

Já actuei em alguns (poucos) locais onde antes de mim estava a tocar esse estilo de música e o que ouvi deixou-me de boca aberta... em muitos temas a letra é do mais sexista possível relativamente às mulheres, e, curiosamente, pelo que pude assistir, são elas que as que melhor sabem (e cantam) as letras, efusivamente! Confesso que fiquei baralhado...

Nesta sociedade actual onde (e bem) se luta pela defesa da mulher e onde se têm perseguido os abusos que aconteceram no passado tentando que não aconteçam no presente, ouvir a letra de alguns desses temas e ver o destaque que estão a ter, é, para mim, bastante confuso.

Obviamente que esta questão não tem nada a ver com o gosto pessoal de cada um. Nem podia ter, cada pessoa ouve o que gosta, dança o que gosta de dançar e isso eu respeito totalmente.

A minha questão é simplesmente relativa à linguagem usada na maior parte desses temas. Se por um lado há toda uma consciencialização que começou com o movimento #MeToo em revelar praticas abusivas em relação às mulheres, ao dar tanto destaque (até nas rádios) a este tipo de temas só porque "é o que os miúdos querem", não estamos precisamente a fomentar o tipo de atitudes que condenamos?

Pode-se argumentar "é simplesmente uma letra de uma canção, não significa nada" (como já me disseram), mas quando vejo vídeos das actuações ao vivo de alguns desses artistas, com toda a carga sexual que está nessas letras, será que não estão a incentivar os mais novos a fazerem o que está na mensagem transmitida por essas canções? Deixo aqui a pergunta.
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
domingo, 09 agosto 2020 14:43

A saúde mental do entretenimento

O verão em Portugal é sinónimo de festa, diversão e convívio. Não só festivais de verão com cartazes internacionais, mas sobretudo centenas de festas municipais e religiosas, bailes, convívios e concertos ao ar livre espalhados em todo Portugal e Ilhas. 

Por esta altura do ano é normal para quem trabalha no sector de entretenimento toda a azáfama, correria, poucas horas de sono. A criação de sorrisos e felicidade a milhares de pessoas é uma rotina diária. E tudo isto graças ao trabalho dedicado de milhares de técnicos, artistas, agências, seguranças, limpeza, comerciantes locais, carrocéis, entre outros.

O que está a acontecer no verão 2020 é uma nova realidade que nunca foi experienciada. 

Até que ponto estará em causa a saúde mental de todos os profissionais deste sector? E já agora a de todos os utilizadores finais, o público, que neste caso é apenas e só toda a população portuguesa? 

Ter contas por pagar e a família para sustentar é uma realidade que assusta qualquer indivíduo na nossa sociedade.

O sentimento de impotência é gigante. Ainda que se pense desesperadamente em trabalhar temporariamente noutro sector económico, permanece o "pequeno" problema de toda a economia portuguesa estar em baixa, numa altura em que a maioria das empresas entram em período de férias e o turismo externo cai a pique devido à pandemia. 

Para a maioria das pessoas não se vê grande solução, portanto. Isto obviamente potencia o desespero interno mental de qualquer indivíduo. Estão aqui em causa graves problemas de saúde para muitos milhares de pessoas, nomeadamente depressões, que poderão originar um ciclo destrutivo individual e familiar nos próximos meses. 

Para piorar tudo, há a incerteza total sobre o futuro do próprio sector. 

Quando nem sequer há uma luz ao fundo do túnel... fica tudo mais difícil de consciencializar, enfrentar e lutar.  Afinal de contas, se não sofremos de COVID podemos ainda assim sofrer outras consequências muito graves para a nossa saúde a longo prazo.

E o que irá acontecer à população em geral que se vê privada, ou muito limitada, de animação, convívio, reencontros...? Não há mesmo nenhuma forma de minimizar estes danos sociais? Já se percebeu que Portugal é dos poucos países Europeus onde nem sequer será autorizado abrir estabelecimentos de entretenimento num formato de horário normal noturno, absolutamente necessário para dar um boost de diversão e satisfação a todos.

Num país desenvolvido, toda esta temática do âmbito psicoemocional deveria ser abordada pelos governantes, comunicação social, etc. Contudo, mais uma vez Portugal ignora por completo a componente psicológica de uma grave crise num sector de atividade, e neste caso, do possível início de uma crise financeira em todo o país. Foi assim em 2010 e é agora com o COVID. 

Sobretudo no sector de entretenimento e cultura devemos por isso estar mais atentos e solidários uns com os outros, a todos os níveis. Nunca houve uma situação tão extremista de desaparecimento de atividade como a dos dias de hoje.

É importante e benéfico haver sempre concorrência num sector de atividade. No entanto um fator muito mais valioso se levanta: a saúde mental de todos nós, que irá fazer a diferença para que o sector se possa levantar mais rapidamente, assim que haja condições sanitárias e governamentais para tal.

A união, o apoio e o positivismo são absolutamente necessários para enfrentar os desafios e estigma social que ainda todos nós temos pela frente, enquanto durar a sociedade COVID19. 

#NãoVaiFicarTudoBem, mas podemos contribuir para que fique tudo melhor!
 
João Casaleiro
CEO Agência DO HITS
Publicado em João Casaleiro
sexta, 29 maio 2020 22:08

Indústria da noite VS Pandemia

Nesta minha crónica para a 100% DJ decidi não falar do foco principal que normalmente guia a ideologia desta plataforma, mas faço-o muito por achar que nesta altura as duas acabam inevitavelmente por estar interligadas, ao mesmo tempo que peço desde já desculpa aos leitores pela extensão da mesma. 

Desde o princípio do mês de Março que o nosso país, bem como o resto do mundo tem sofrido de uma forma absolutamente inesperada com uma pandemia assassina e muito calculista que tem matado indiscriminadamente um pouco por todo o mundo. Na altura, o confinamento geral acabou por ser a decisão mais correcta, causando danos imediatos na nossa sociedade e comércio, bem como na nossa indústria, a nocturna, que como todos sabemos vive constantemente numa situação periclitante e de constante luta pela sobrevivência. É evidente que factores como o distanciamento social e todos os cuidados que nós, como cidadãos, tivemos que começar a adoptar, imediatamente fizeram perceber que os negócios de diversão nocturna iriam imediatamente ser os mais afectados, e com todo o sentido. 

A verdade é que cumprimos o nosso papel e, sem qualquer tipo de indicações ou apoios de qualquer espécie, fomos até, por iniciativa própria, os primeiros a compreender que era hora de cerrar os punhos e lutar contra um inimigo invisível. Os dias foram passando, a pandemia foi sendo controlada, o nosso país e Governo foi tido como exemplo lá fora e lentamente foram começando a ser dados passos para que lentamente pudéssemos todos voltar à normalidade, mesmo que condicionados e sendo obrigados, como é lógico, a ter em linha de conta que o problema não tinha desaparecido, mas sim controlado. 

Sector a sector, muito cuidadosamente, foram sendo abertas as portas das vidas de milhares de empresários, que puderam pelo menos olhar para o futuro com uma perspectiva mais animadora. Até aqui tudo bem, até nos termos começado a aperceber que esta mesma esperança não iria ser dada a todos, tendo inclusivamente os bares sido passados do sector de restauração e bebidas, onde sempre "viveram", para um sector invisível que até aos dias de hoje ainda não conseguimos muito bem perceber qual é. Numa primeira fase abriria a indústria que teria que abrir, e bem, e os bares e discotecas nem sequer eram tópico de conversa, quanto muito com uma previsão, mas na altura achei que tal era perfeitamente compreensível. Seguiu-se a segunda fase de desconfinamento, abrindo já o sector de restauração e bebidas, de onde os bares foram retirados como que por magia, e mesmo que com regras e restrições de horários lá tivemos cafés e restaurantes a ter a possibilidade de funcionar, sendo mais uma vez o sector noturno ignorado e sem qualquer tipo de informação relativamente ao futuro. Nesta altura, já os empresários lutavam contra a situação de ausência de qualquer tipo de apoio ou pelo menos uma perspectiva que daria uma luz ao fundo de um túnel muito escuro.
 

É verdade que faltará muita organização para se conseguir criar uma força que realmente tenha um peso suficiente para que pelo menos sejamos considerados, e isso é sem dúvida culpa nossa (...)


É verdade que faltará muita organização para se conseguir criar uma força que realmente tenha um peso suficiente para que pelo menos sejamos considerados, e isso é sem dúvida culpa nossa, se calhar passamos tempo demais a trabalhar e não devíamos, mas isso não significa que, devido a isso, tenhamos que continuar a ser ignorados quase em forma de desprezo ao ponto de serem absolutamente inexistentes as palavras "sector nocturno" nos comunicados do nosso primeiro-ministro, à excepção da única vez em que foi confrontado directamente por um orgão de comunicação social, a TSF, tendo o mesmo até parecido ter ficado bastante incomodado ao ponto de apenas dizer que se a indústria nocturna tivesse que ficar encerrada durante o Verão, iria ficar e isso não iria ser problema nenhum. 

Quando tomei conhecimento deste comentário, na minha opinião de uma irresponsabilidade política absolutamente inexplicável, dei por mim a analisar a situação actual, na qual observo alguns café e restaurantes que têm que encerrar às 23 horas, a funcionar ilegalmente até horários permitidos aos bares, a oferecerem serviços de bar sem terem qualquer tipo de especialização para isso, e numa altura em que até já se fala em levantar grande parte das restrições a este tipo de estabelecimentos, muitos deles continuam a não mostrar qualquer tipo de preocupações com as regras da Direção Geral de Saúde e a laborarem numa perspectiva bastante animadora, até porque se tivermos em linha de conta que uma boa parte da população portuguesa se encontra em "tele-trabalho", várias vezes conseguiremos facilmente afastar o cenário de pandemia dos nossos pensamentos ao andar na rua, tal é a descontração com que vemos as pessoas a retomarem as suas vidas de uma forma absolutamente normal, ao ponto de poderemos imaginar até que estamos em pleno Verão, notando-se um afluxo a esplanadas, cafés e restaurantes absolutamente anormal e até surpreendente para a data, na minha opinião, isto tudo para não falar na proliferação de festas ilegais, algumas que contaram já com mais de 100 pessoas como já me foi relatado por vários colegas de norte a sul do país e onde até, segundo a comunicação social, já aconteceram violações. 
 

Cada um civicamente acaba por ser responsável pela sua conduta, e irá sofrer, ou não, as consequências das suas atitudes (...)


Até aqui infelizmente tudo bem, cada um civicamente acaba por ser responsável pela sua conduta, e irá sofrer, ou não, as consequências das suas atitudes, mas ao voltarmos um pouco atrás reparamos num pequeno pormenor que me parece que estará a passar ao lado da vista de todos. Então, e o sector nocturno, como está no meio disto tudo? Absolutamente esquecido, com senhorios, empresários, bartenders, DJs, músicos, funcionários, marcas de bebidas, pequenos e grandes distribuidores e todos os que dependem desta indústria absolutamente entregues à sua sorte e, pior que tudo, a sentir na pele uma discriminação e desprezo sem comparação num Estado Democrático, ao mesmo tempo que assistem a esta série de acontecimentos que parecem estar a passar ao lado da opinião pública.

Os bares não podem abrir, mas os restaurantes e cafés trabalham o nosso mercado, as discotecas não podem abrir mas o festival do Avante não pode deixar de ser feito, as salas de espectáculos têm limitações do tamanho de 20m2 mas os aviões não têm restrições porque os passageiros apenas olham para a frente, ou seja, resumidamente, a cultura e a diversão nocturna não poderão nunca ser equacionados porque apenas não temos direito e somos um factor gravíssimo de risco. E será que ninguém pensa que talvez conseguíssemos dar mais garantias de segurança do que o café da esquina, onde toda a gente se abraça e faz de conta que tudo isto passou? E será que as discotecas não fariam um melhor trabalho de segurança do que uma qualquer garagem da Amadora? E o que fazemos aos milhares de artistas que ganhavam a vida a causar lazer e descontração a todas estas pseudo-figuras nas suas pausas de trabalho no Verão onde já eram imprescindíveis, para lhes dar música, fazer cocktails ou simplesmente os servir, o que fazemos aos milhares de funcionários altamente especializados que cada vez mais engrandeciam a qualidade de serviço do nosso país ao ponto de colocar Portugal como um dos mais apetecíveis destinos turísticos do mundo? O que fazemos aos milhares de espaços que anualmente enchiam os cofres do Estado com milhões de Euros em impostos apesar de serem constantemente bombardeados com impostos, taxas e licenças completamente desajustadas e algumas até inconstitucionais. 

Já não basta sermos preteridos em relação a um qualquer café ou esplanada que há anos que só sabe o que é servir cafés, tostas-mistas ou refrigerantes, ou a uma qualquer garagem ou anexo de acesso duvidoso, onde não existe qualquer tipo de segurança, não só contra o Covid mas também contra a nossa própria integridade física?
 

A pior coisa que poderemos algum dia sentir como cidadãos contributivos e activos dentro da economia do nosso país é sermos constantemente postos de lado, ao ponto de nem contarmos para uma terceira fase, e última de desconfinamento.


A pior coisa que poderemos algum dia sentir como cidadãos contributivos e activos dentro da economia do nosso país é sermos constantemente postos de lado, ao ponto de nem contarmos para uma terceira fase, e última de desconfinamento. O tratamento tem que ser igual para todos, cada sector tem que trabalhar para o seu mercado, porque é precisamente para isso que está habilitado, e um estado de direito não pode nunca dar a entender que devido a interesses políticos, existem prioridades e não-prioridades, a isto se chama viver num estado democrático. Ou se abre ou se fecha tudo, conforme os interesses não é boa política. 
Onde está o dinheiro dos nossos impostos de que finalmente tanto precisamos para conseguirmos superar isto? É que agora precisamos dele, e não pode haver desculpas. Acho também que está na altura de darmos o nosso grito de revolta, espalhando a nossa revolta um pouco por todo o país, até porque, ou muito me engano, ou não me parece que esta situação vá ter algum tipo de alteração nos tempos mais próximos, até porque à hora que escrevo esta crónica recebo a notícia de que por exemplo os cinemas vão abrir com total liberdade em termos de ocupação, já para não falar dos aviões não vão ter também qualquer tipo de restrições e até da festa do Avante, que vai ter que ir para a frente. E como ficamos nós, bares e discotecas deste país? Provavelmente iremos ter que deixar de existir...

Para terminar, e como um artista que já levou o nosso país a todo o mundo, e como empresário que já há muitos anos contribui arduamente para o sistema financeiro do nosso país, sempre sem falhar, até porque tal não me é permitido, ao contrário do oposto, sinto que o meu país está a falhar comigo, com os meus colegas artistas e com os meus colegas empresários, e isto é simplesmente inadmissível, diria mesmo que é uma vergonha pandémica! 

A realidade é esta, nós para eles não contamos para nada, a não ser para entregar os impostos, e isto é uma postura de país de terceiro mundo completamente inaceitável em pleno Século XXI. Está na altura de darmos uso à nossa voz, até porque como já percebemos, a comunicação parece claramente estar em sincronia com esta ostracização em relação a esta situação, ou muito me engano ou estamos prestes a ser o único sector a nível nacional que irá continuar encerrado.
 
Carlos Vargas
Publicado em Carlos Vargas
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