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VJ João Data - O estado (unido) da arte

Publicado em quarta, 04 outubro 2017 21:43 | Escrito por Sara Gouveia
João Data é artista visual e director de arte; tem desenvolvido o seu trabalho nos Estados Unidos e é o primeiro VJ a ter destaque na rubrica VJ Session.

Apesar da Europa ser um destino atractivo pela estética e história, os Estados Unidos trabalham a uma escala diferente - é lá que reside desde 2010, estada que lhe garante hoje uma experiência profissional de outra magnitude, com princípios de trabalho muito próprios e que partilha connosco nesta entrevista.
Considera que a Internacionalização é essencial para o crescimento profissional e pessoal de qualquer artista, experienciar novas culturas e viajar para diferentes países forçou-o a crescer, a exigir mais de si próprio, do seu trabalho e acima de tudo a evoluir.

É assim, num misto de criatividade, humildade e profissionalismo que conhecemos Data: um verdadeiro artista.

Não se recorda do momento em que se estreou como VJ mas a memória leva-o ao ano de 2004, mais concretamente, ao Hard Club no Porto: "a estética única daquele espaço junto ao rio Douro (...)".
No entanto, lembra-se bem de "transportar torres e monitores pesadíssimos para as trincheiras do trance psicadélico em Portugal com o companheiro de armas Ivo Reis, naquilo que foi a infância do projecto Datagrama".

Estaria ainda no início da sua grande carreira e talvez longe de imaginar o trajecto que iria fazer, relacionando a experiência como artista com a própria área profissional.
Dedicado, foi em 2016 que terminou o doutoramento em Artes Digitais pela Universidade do Texas em Austin mas ressalva o que considera essencial para evoluir nesta área: "Passa acima de tudo por uma procura constante de informação na Internet e pela experiência prática dos eventos. A exposição directa com o feedback do público e colaboração com outros artistas fazem-nos evoluir de uma forma provavelmente mais acelerada e espontânea do que encontramos nas universidades."
 
Acrescenta ainda: "tenho a oportunidade de dar aulas em universidades em modo laboratório e com foco no trabalho prático, que é uma extensão do meu trabalho de campo como artista visual e profissional da área do entretenimento e espectáculo. Neste sentido, o Vjing e direcção de arte acabam por ser nestes últimos anos a minha ocupação principal."

Do seu currículo fazem parte clientes como Vimeo, National Geographic, Scion e C3 mas o VJ tem consciência das implicações comerciais num pojecto artístico. "O pré determinismo do projecto comercial normalmente não estimula a criatividade, é no processo colaborativo com músicos, na dança, etc. que os projectos ganham uma dimensão maior, normalmente através da experimentação e liberdade criativa. A música electrónica é nesse sentido um local privilegiado para estimulação sensorial praticamente sem limites, e uma escola fundamental para o VJ como performer sem as restrições do mundo comercial."

A liberdade criativa é essencial desde a criação de conceitos até à prática que se aplica em qualquer espectáculo - é neste ambiente em que a entre-ajuda se faz notar que se trocam opiniões mas também, muitas vezes, se percebe que a competitividade vivida não potencia o valor profissional de ninguém: "É um meio muito competitivo, mas o apoio e acesso a ferramentas e conhecimento em aberto (open source) permite-nos evoluir como nunca antes foi possível. Tenho as minhas cicatrizes, provavelmente como a maior parte de profissionais de outras áreas depois de mais uma década activo numa área, mas acredito que cada vez mais as novas gerações estão conscientes que partilha de conhecimento e experiências é fundamental para evolução pessoal e profissional."
 

Video Installation at 4321 Eclispe Festival from João Beira on Vimeo.


Esta é a mensagem essencial do artista que mostra clareza quando falamos do estado da arte em Portugal - "Eu tenho uma visão e experiência muito limitada do Vjing em Portugal. A minha experiência pessoal está intimamente relacionada com o Boom Festival, um dos poucos eventos desta escala que não trabalha com marcas e não tem mesmo patrocínios. Pelo contrário, a minha experiência nos Estados Unidos passa muito por esta relação entre as marcas e eventos, eventos como o SXSW criam ecossistemas em que as marcas precisam de artistas visuais para recriar experiências únicas, com destaque. Muitas vezes em festivais nos Estados Unidos temos tido apoio das marcas (projectores de vídeo, sensores) que disponibilizam novas tecnologias para residências artísticas, instalações e performances. Essa ponte entre a indústria e as artes são fundamentais para a criação de projectos novos e de grande escala, e em última análise, para a sobrevivência de muitos freelancers e artistas. Gosto de acreditar que em Portugal esta relação exista, ainda que seja numa escala mais pequena."

Temos evoluído lentamente e o video mapping ajudou a credibilizar e a mentalizar o público: "o video mapping introduziu uma nova forma de trabalhar luz e vídeo, integrando a imagem digital directamente no espaço físico, e indo para além do rectângulo da tela de cinema e do monitor. É uma forma de realidade aumentada e que pode ser experimentada colectivamente, tal e qual a performance e o cinema. Tem qualidades únicas a nível tecnológico e criativo, principalmente a nível da percepção do espaço."
No entanto, reflecte: "acredito que nos últimos anos existiu um hype à volta do termo e da técnica em si, em particular no Vjing, e que ofuscou, por vezes, aquilo que é a essência do Vjing, assente no design e na produção de conteúdos, por um fascínio e pré determinismo de uma técnica. Quando estes dois mundos se cruzam, design e video mapping, os resultados são fantásticos e elevam o papel das artes visuais na música electrónica para um patamar completamente diferente de há uma década. Considero que é uma técnica que tem muito ainda por explorar, e que a introdução de novos e mais sensores e displays holográficos vão continuar a revolucionar esta forma de arte e tecnologia.
 

E se é certo que são as entidades comerciais as principais impulsionadoras de eventos, podem ser pioneiras em territórios únicos e capazes de impactar milhares de pessoas.

Quando falamos do futuro, João é perentório: "é fundamental termos uma atitude pró-activa e partilharmos os projectos e experiências que desenvolvemos em estúdio em plataformas online e redes socais. Muitas destas experiências acabam por se transformar, eventualmente, em projectos de instalação e/ou performance.
Ou seja, em vez de termos uma atitude de marketing agressiva, à procura de clientes, eu procuro fazer exactamente o contrário, que as pessoas cheguem até mim naturalmente, a partir do trabalho gerado.
Acho que a projecção do VJ e do vjing passa por reinventar-mo-nos como artistas através das colaborações com outros artistas e criativos. Este processo tem um base de trabalho diário, e a evolução pessoal e criativa vem com a idade e com a experiência, sem medo de falhar e correr riscos. Só assim conseguimos projectar o nosso trabalho a nível nacional e internacional."

É assim que João Data termina, como um profissional de mão cheia, que nos ensina a todos a reinventarmos a arte de forma livre e sem preconceitos.

Temos um caminho longo a percorrer mas vamos fazê-lo, relacionando a evolução tecnológica com a estética e garantindo um reconhecimento maior para o nosso pequeno mundo das artes visuais.

Continuem a acompanhar-nos nesta descoberta!
 
Descubram mais sobre o VJ João Data:
 

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